Era um homem de isopor, esfarelado isopor. Torpor emocional, patético inspirar e expirar. Como se as engrenagens não se considerassem, como se os elos se desfizessem em simples argolas.
Era um homem de isopor, esfarelado isopor. Torpor emocional, patético inspirar e expirar. Como se as engrenagens não se considerassem, como se os elos se desfizessem em simples argolas.
Era um dia qualquer sob um manto de tristeza qualquer. Não. Não era tristeza. Era monotonia, saca? Daquelas que pedem uma mudança de ares, imediata. Assim, fui ver a vida lá fora. E caminhando entre cinzas e nada, me deparei com um rosto conhecido entre máscaras desconhecidas. Vontade correr.
…corra.
… … corra.
Um momento, um flash, estendi a mão e disse um olá como vai meio falso.
Ele tentou sorrir.
Mas não sorriu.
Como quem não suportava, não me suportei – esta loucura redimensionada em minha pele seca e visão ressequida. Olhos entrelaçados, um mistério que me consumiu, a intensidade sôfrega desenhada em mim. E sob a chuva negra, correndo sem participar de sorrisos aleatórios, não deixo de me perguntar: quem poderia prever que você pudesse me amar?
Tinha um dom único: viajar no tempo. Sem máquina, maquinaria, apetrechos ou afins. Um deslocar-se assustadoramente unidirecional: voltava no tempo. Jamais podia avançar no futuro. Descobriu o dom assim, do nada. Na juventude, 12 ou 13 anos, perdido entre lâminas afiadas do arrependimento, desejou voltar atrás e refazer tudo. Fechou os olhos, e de repente… estava lá. O mesmo corpo. A mesma cena. Um minuto antes. Tempo suficiente para desfazer a bobagem. Ou melhor ainda, nem sequer cometê-la.
Testando… um, dois, três. Personagem no cume das atenções. Reciclado. Em teste. Ainda não habita, mas tenta se habituar. Personagem com 35 anos mal cumpridos abre a janela e é alvejado pelo Sol. Como um vampiro, sente sua pele arder. Há um cheiro de queimado no ar. Recicla-se. Novas ponderações. Vida tolhida. Restos colhidos. Ratos, baratas, flores. Hora da limpeza. Ainda é um teste. Ele não sabe se vai funcionar. Ele ainda vê o mundo pelo retrovisor – só percebe o que passou.
Nasci um gênio. E hoje sou um tolo.
Estive em sete países, mas não lembro quais são. Já me encontrei com Raul Seixas, e achei que fosse um sósia. Dormia de dia, escrevia a noite, e sonhava nas horas vagas. Já amei tantas vezes que esqueci a diferença entre um “oi” e um “eu te amo”.
Já levei dois socos, mas não caí com nenhum. Já ouvi “me perdoe” várias vezes, e em metade deles, duvidei da sinceridade de quem dizia. Já tive uma banda. Minha primeira música se chamava “A Domável Vítima da Ditadura”.
Já quis ser famoso. Já quis desaparecer e me esconder do mundo. Andei pela noite a procura de alguém, e na volta, sempre procurava por mim. Fiz boas ações. E muitas cagadas. Não me orgulho de ser, mas me orgulho de estar.
Ao escrever o título deste post, pesquisei no Google para ver se era “autobiografia” ou “auto-biografia”.
Nasci um gênio, e hoje sou um tolo.
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