Era um dia qualquer sob um manto de tristeza qualquer. Não. Não era tristeza. Era monotonia, saca? Daquelas que pedem uma mudança de ares, imediata. Assim, fui ver a vida lá fora. E caminhando entre cinzas e nada, me deparei com um rosto conhecido entre máscaras desconhecidas. Vontade correr.
…corra.
… … corra.
Um momento, um flash, estendi a mão e disse um olá como vai meio falso.
Ele tentou sorrir.
Mas não sorriu.
Era um colega dos tempos de escola. Na verdade, os restos de um. Corpo encurvado, rosto amarfanhado, como quem havia sido esbofeteado pela vida em cada um dos seus dias, desde que nos vimos pela última vez. Senti pena do cara. Barba por fazer, um cabelo num desalinho só, cicatrizes, fedendo a cigarro, bebida ou qualquer outra porcaria. Parecia que cairia a qualquer momento. Um sopro e adeus.
… cairia, estou certo.
Eu ali, meio surpreso, meio quem você se tornou?
Mas, no final das contas, fiquei com pena dele. Procurei não demostrar. Essas coisas não se demonstram. A maioria das pessoas não gosta que sintam pena dela. Deve ser assim. Se não for, quem se importa afinal?
Pensei em perguntar como andava sua vida, mas confesso que fiquei com medo da resposta. Quer dizer, tava na cara dele que a vida não estava morrendo de amores por ele. Não se conseguem tantas rugas e um semblante tão decaído com uma vida digna. E acho que falar sobre isso só pioraria a situação. Seria o sopro. O sopro e o adeus.
Ele me convidou para tomarmos alguma coisa. Aceitei. Nunca fomos realmente amigos, acho que nunca realmente tivemos uma conversa. Era só um colega com quem eu trombava pelos corredores. Mas naquela hora desconfiei que ele precisava de alguém com quem conversar. Eu não ia perguntar sobre a vida dele. Esperaria ele tomar a iniciativa. Entre quedas e disparates, talvez eu conseguisse dizer algo que fizesse diferença na vida dele.
Ele não comentou nada sobre sua vida. Falou sobre outros colegas nossos, sobre futebol, até chegou mencionar alguns planos que fazia, mas não citou uma vírgula de sua vida. Cheguei a conclusão que ela realmente não morria de amores por ele.
Tentei dizer alguma coisa que pudesse fazer diferença em sua vida. Minhas palavras viravam cinzas nos ouvidos dele. Eu podia vê-las, despejando-se sobre seus ombros.
Quando ele se despediu, o melancólico the end no fundo preto, não pediu meu telefone, nem esboçou qualquer interesse em voltarmos a nos encontrar para outra conversa.
Ele desapareceu no meio das cinzas e do nada, do mesmo modo como surgira. Continuei ali, um sentimento ainda confuso, surpresa e pena de mãos dadas. Eu sabia que ele estava voltando para a vida, onde ela o esperava para esbofeteá-lo até cair.
… estava escrito na cara dele.
at
Eu fico espantado com a sua profundidade e sensibilidade perante coisas tao simples e pequenas dessas vida. Gosto do jeito que se expressa e demostra as coisas que “vê”. É um artista por natureza. Está de parabéns por esse e todas outras cronicas que li.
(não sei por qual razão, mas quero lhe agradecer. Simplesmente deu vontade. Obrigado)