Corrosiva

Crônicas corrosivas e gestos de amor

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O CINEMA ENSINA

yoda-setima-arte

A sétima arte mais do que entretém. É possível derivar algumas lições dos personagens da telona que povoam nossa imaginação. Elegendo dez personagens e o que aprendi com cada um deles, minha lista ficaria assim:

Sloth (Os Goonies) – É possível divertir-se mesmo com uma criança gritando em seus ouvidos.

Amelie Poulain – Contemple a beleza e a complexidade das coisas simples da vida.

Andy Dufresne (Um Sonho de Liberdade) – A esperança é uma coisa boa, e tudo o que é bom, nunca morre.

Billy Elliot – Se tiver vontade dançar, simplesmente dance.

Dom Cobb (A Origem) – Isso pode ser um sonho. Ou talvez não.

Ten. Ripley (Alien) – Se te olharem com ódio e começarem a salivar, melhor sair correndo.

Jerry McGuire – Lute por seus sonhos, mesmo que isso lhe custe sua noiva e seu emprego.

Roy Batty (Blade Runner) – Não somente viva. Queira viver.

Charles Remington (A Sombra e a Escuridão) – Se estiver cercado por feras, melhor dormir de olhos abertos.

Yoda (Guerra nas Estrelas) – Ainda que baixinho, feio, e falando errado, é possível ser um mestre.

DOUTOR LUCKÁ

Quando eu o conheci, décadas atrás, achei que estava diante de uma figura que pela primeira vez traria uma ameaça ao meu mundo seguro de criança. “Mãe, tem um moleque com cara de psicopata da escola”. Não era um psicopata. Era apenas um poeta, um louco, o louco Lucká.

Seu nome não é Lucas. Nem Lúcka. Mas, como ele insiste: “É Luckáááááááá, caramba. Acento no ‘a’ “.

Eu acompanhei sua trajetória. Tentei acrescentar algo de bom à sua vida. Às vezes, ele me diz que não estaria vivo se não fosse por mim. Em outras, diz que tudo o que passou de ruim foi culpa minha. Eu digo que ele é bipolar, que devia se tratar. E ele dá uma risada carregada de desespero (se você não o conhece, e ouve aquela risada, você teme pela sua vida), e arremata:

– Vinte e cinco anos se passaram, mundos foram criados, outros foram destruídos, e você continua o mesmo lunático de sempre.

Louco Lucká. Com o tempo, passou a ser o mestre Lucká. E agora, para a alegria de muitos tornou-se o doutor Lucká.

Confesso, ele não me ensinou quase nada. Mas me ensinou o que é poesia, e que não há motivos para se envergonhar de chorar em público. O que, na prática, é muita coisa.

Abaixo, como numa propaganda de remédio para emagrecimento, o seu Antes e Depois…

Por Ela

Ela me sorriu com o semblante. Parecia a criação duma nova estação. Um novo estado, entre o líquido e o gasoso. Entre o silêncio e o zumbido. Entre a solidão e sua companhia.

Escondi meus deletérios, deletei medos e intempéries. Artesão que sou, recriei-me a partir de inéditas matérias-primas, primeiro a matéria, depois as rimas. A clara evidência de sua pureza em clarividência. Opaca estação dando lugar à exata estação ela. Ela estar. Estado de estar perfeição. Perpetuar o ão de purificação.

Nela, me perpetuação. Me contemplação. Me ela são.

Por tudo o que ela quis.

Por ela, me refiz.

Saí do Poema

Alguns rabiscos
Teorizando teorias
Construo o sustentável
E nele me apoio (o INsustentável que sou)
Traços recompostos com lápis fino
Gotas de tintas, timbre cinzento
Fugitivo de romances
Eu deixo o amor de lado
E saio do poema

Saí do Poema

17 de Janeiro

17 de Janeiro

As pessoas acordam todos os dias querendo mudar suas vidas. Promessas e pactos. “Hoje renascerei”. Mas não mudam. Não nascem. Nem renascem. De uma atitude revolucionária, condensam-se em modos passivos. Parecem cientes do gelo fino sob seus pés. Aquele mesmo que parece trincar abaixo de mim enquanto essas mal traçadas linhas se expandem. Um movimento mal calculado, e num segundo – pensam elas –, podem ser engolidas pelas águas congelantes.

Por isso, adiam sonhos. Congelam planos. Seus objetivos estampados apenas nas crônicas pequenas que guardam no fundo de uma gaveta empoeirada e infestada de traças. O medo domina a mente e corpo que criam limo. Como pedras que nunca rolam.

Poderia se tratar de um grande passo. Mas a mente o liquefaz numa queda no abismo. Poderia ser uma estrada para um lugar melhor. Mas a mente a pulveriza com a sensação de que estamos perdidos e com frio.

Então que tal dar férias ao medo e encarar seus limites? Não é a pergunta que não cala. É o medo que não a deixa resolver-se.

Por isso, hoje, a manhã surgiu no horizonte com um aspecto diferente. As luzes da alvorada procedem de minhas veias. Os gostos se prolongam em minha boca. A imagem dela rejuvenesce a cada nota que meus ouvidos capturam. Hoje acordei e decidi mudar minha vida. Pode parecer se tratar de um passo em falso. Um falso ato. Pode parecer se tratar de uma queda no abismo.

Mas para mim, parece tratar-se de um grande passo.

Vida Latejante Entre Comédias e Aridez

Ainda que os vasos criem limbo em meu peito
E as formas percam vidas
Musgos dominantes em papéis de parede
Vou te amar como em textos românticos
Com a mesma pureza e leveza
Com que teu sonho trouxe vida
A este peito decadente.

Ainda que esses céus se despedacem
Ainda que os semblantes ecoem medos
Sobre ruínas de sonhos jamais vividos
Vou te amar com a mesma intensidade
Com que transformaste meus segundos
Em eterna poesia…

Vida Latejante Entre Comédias e Aridez

Parte do Céu

Menina no labirinto. Lábios conjugam movimentos. Um pedido de socorro. Mil vezes infinitivo. Seu desespero corre em suor pelo seu rosto. Gosto de sal, mal posto. Seus pés vacilam, pé ante pé a pé. Pela fé. Perdida, pede socorro. Ecoa a voz. Soa a sós. Ecoa… e ecoa… e ecoa…

Menino ator. Molda-se. Cria-se. Atua dor, amor, terror. Não a engana. Não a esgana. Perde-se, mas jura achar-se. E promete à menina perdida, a saída.

Menina no labirinto. Perdida. Agora, pedida. A mão dele estendida ao seu alcance. Oferece-se. Promete-lhe. Vida. Parte do céu. Segurança. Um véu.

Menino ator pega mão da menina no labirinto. Sorriem.

Ela. Sai do labirinto. Torna-se atriz. Vida. Um sentido. Segurança. E abandona menino ator.

Ele. Refugia-se no labirinto. E cobre o rosto com o véu da menina que hoje é parte do céu.

 

O Começo dos meus Livros Inacabados

Obras que um dia comecei e que o Tempo ainda não me permitiu concluir

SENHOR ANGÚSTIA

Queria eternizar suas palavras. Botá-las ali. Uma afirmação. E reafirmação. Estava vivo. Queria se expressar. Do seu coração, elogios. Dos seus poros, críticas. De cada buraco. De cada centelha. Ele inteiro, por inteiro. Seria eternizado. Louvado. Repudiado. E ados e mais ados. Mas ao menos, seria. O que era uma grande coisa. Ultimamente, era-lhe complicado ser qualquer porcaria. Só “desser”. O inverso do um verso. Um só verso no universo. Sem rimas. Sem climas. Só o mesmo loser de sempre.

INSANIDADE E VINHO TINTO

Começa assim…

Você se cansa de algo. Quando percebe que o Algo é permanente, feroz, inabalável, você tenta encontrar meios de derrubá-lo. E rápido, antes que você seja vencido, primeiro. Se você não teme o Algo, você o ignora, simplesmente. Acaba deixando para lá. Mas se o Algo te perturba e ameaça tua liberdade – discreta sanidade –, você reage.

É sempre da mesma maneira.

Comigo também começou assim.

Algo me ameaçou.

E eu reagi.

ENIGMA PUBLIUS

Um círculo vivo. Oito pessoas se encarando. Oito miseráveis, olho no olho. Mas ele se perguntava se poderia chamar aquilo de “círculo vivo”, apropriadamente. Estavam mais para zumbis. A maioria, era verdade, chegou bem perto da morte. Aquele vesgo de cabelo branco disse, certa vez, que entrara em coma. Overdose. Seis dias numa unidade de tratamento intensivo. Sem pesadelos, sem dor, sem lembranças. Até que resolvera acordar e foi jogado novamente para dentro do mundo impiedoso, onde os ratos imperam e o lixo é a matéria-prima da existência degradante. Pior para ele, amigo. Pior para ele.

PSYCHO

Um corpo inchado. Meu corpo. Suor. Meu suor. Uma espécie de transe. Um transe. Difícil definir. Inútil tentar. São apenas lembranças que parecem ser visões do que ainda está para acontecer. São imaginações que parecem ser lembranças de situações vividas (e desvividas). Quem se importa? Enquanto suo, me concentro. Cada segundo, uma vítima. Então, me vem lembranças e imaginações. Tento separá-las. Não posso me confundir. Flashes, decomposição, ode ao vazio. Sentado numa cadeira, em frente ao computador – a máquina que escraviza o homem. A ferramenta do mal. Ali estão. Ali se escondem. Um momento estranho. Uma pista. Apenas um flash. Seco as mãos, muito suor. Ou será sangue? Concentre-se. Eles estão ali. Abrigam-se entre bits e bytes. Ocultam-se entre códigos. São imperceptíveis. São quase perfeitos. Sorrio. Quase perfeitos… quase.

É no “quase” que eu entro.

E é no “quase” que assino PSYCHO.

Reticências

Teria composto traços de tua plenitude
Esboçado planos, esboços planejados
Teria sondado as regras de tua voz
E das frações de teu fulgor
Desenharia a melodia que ecoas
Quando rimas teus passos
Como em textos profundos de amor
Reteria teu semblante, risos e bocas
No momento em que passas
No instante em que pairas
Por aqui, por ali, pelo ar
E com cada tua iminência
Reter-te numa eterna sequência.

Reticências

Solidão, Ainda

Ela acordou em seu mundo ácido sob a nuvem negra que lhe acompanhara por toda a vida. Parecia-lhe tênue, como sempre foram seus sonhos. Parecia-lhe apenas mais um eco. Apenas um instante que se vence com um passo a mais.

Sempre ouvira, toda sua vida – “tudo passa”. Ela passara, enfim. Como se tudo aquilo que acreditara ser fosse apenas um protótipo, um esboço mal resolvido de sonhos jamais alcançados. Sua vida poderia ser descrita em apenas algumas crônicas pequenas. Nada mais do que isso. Nada mais do que sonhos que se perderam em sua mente distante. Quando se deu conta, a Terra já havia dado outra volta. Sonhos haviam sido criados. Mundos despedaçados.

E ela continuava só.

Crônica Solidão Ainda

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