Corrosiva

Crônicas corrosivas e gestos de amor

Category: Textos Profundos (page 1 of 2)

Textos profundos da Literatura Corrosiva

Construindo Verônica

Ela nasceu primeiramente como uma névoa, se é que pensamentos distraídos de escritores possam ser assim definidos. Não tinha um corpo, nem um rosto. Não tinha nome, nem trejeitos ou tom de voz. A primeira característica dela, emanando como um raio de sol da névoa noética do seu ator, foi seu passado: levada ainda criança, juntamente com os pais, para um campo de concentração nazista. Fora separada deles e nunca mais os viu. Ponto.

E agora?

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Reafirmação

Queria eternizar suas palavras. Botá-las ali. Uma afirmação. E reafirmação. Estava vivo. Queria se expressar. Do seu coração, bombear elogios. De sua alma, críticas. De cada pele. De cada poro. Ele inteiro, por inteiro. Continue reading

A Promessa de Samantha

Samantha sempre soube que os homens são dotados de uma arrogância desconexa e uma insegurança absurda – por esta razão, eles sempre desejam ser o primeiro amor de suas pretendentes. Saber que são o segundo, terceiro, vigésimo namorado, deixa-os com a torpe sensação de que são o estepe, a sobra. “Na falta de alguém interessante, vai você mesmo”.

As mulheres, por outro lado, sempre desejaram ser o último amor de seus homens. Não importa quantos amores eles já tiveram no passado, as mulheres não se importam com isso – desde que sejam o romance derradeiro, o último porto no oceano.

Mas nem todas elas se guiam por este princípio. Nem todas.

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Alana, Minha Monomania

Ao tentar repetir as circunstâncias que me trouxeram para este confinamento, este refúgio para dementes, acredito que acabarei me contradizendo. Não que seja algo proposital, um orgulho inexorável envolvendo meu peito e a recusa em admitir a culpa. Mas é apenas um letárgico estado da minha mente. Um pulsar elétrico da insanidade em minhas veias. E quando tento dar um passo atrás em minhas memórias, recordar os últimos momentos, meus pés só encontram o irreal e parte de minhas entranhas. É a mente sempre pregando peças, nos convencendo de que somos capazes de distinguir as fantasias do real. Mas é aí que indivíduos se perdem em um labirinto em plena linha reta. E você me olha com um olhar estranho, meneia a cabeça, fingindo não entender o que estou dizendo, se recusando a perceber que somos ambos a salivar.

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O Último Homem do Planeta Terra

Acostumado a acordar todos os dias com um turbilhão de buzinas, vozes e motores esfaqueando seus ouvidos, neste dia, acordou incomodado com o silêncio. Um torpor imediato. A estranheza levando-o a examinar ao redor. Aquela sensação de em que buraco me enfiei, afinal? Mas não estava em nenhum lugar estranho, estranho lugar, lugar nenhum. Era o mesmo quarto fétido de vinte e poucas primaveras. A mesma bagunça, o mesmo cheiro ácido impregnando as paredes mofadas.

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Essas Coisas do Coração

São essas coisas sobre as quais eu pouco entendo. Todo esse universo humano, essas condecorações, um filme inédito visto e revisto um milhão de vezes. Se não entendo, tampouco deveria falar. Como quem discursa sobre a saudade daquilo que ainda espera conhecer. Como o insano discursando sobre a sanidade de outrem.

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NATIMORTO – O RENASCIMENTO

Por que se levantar? Era o que a voz rouca de sua consciência conturbada e despedaçada lhe perguntava todas as manhãs. E quase sempre não havia respostas. E que resposta haveria de ser?

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SUAVE SONHO DE UMA NOITE SEM FIM

Seus brinquedos empilhados em um canto da sala. Suas malas, seus restos, seu rosto no espelho manchado. Um sonho montado às pressas, frágil castelo com cartas marcadas do seu baralho. E ainda estou atrás de sua porta, tentando ouvir seus segredos. E ainda sigo seus passos, compondo canções com seus suspiros.

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DISCALCULIA E DISLEXIA – UMA HISTÓRIA DE AMOR

Menino com discalculia conheceu menina disléxica. Encontros casuais que reservam impactos múltiplos e eternos. Olhos atentos a detalhes por outros desprezados, se cruzaram. Ele não sabia precisar quantos foram os olhares, e a menina não podia descrever o que eles diziam. Mas eram muitos e não falavam pouco.

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DIA EPAGÔMENO

Dia epagômeno. Ruptura no tempo/espaço. Típico dia ovelha-negra. Nem precisaria ter vindo a existência. A sensação de que muito poderia ter sido feito, mas nada se criou (ou recriou). Dia vago, vagando por aí, me deixando vasto de vacilação.

Passei o dia pensando nela. Ela que conseguiu suavizar o ar arenoso, o paladar escamoso. Ela que redecorou a cena, improvisou novas falas, atribuiu novos personagens, quando eu já imaginava ter a peça chegado ao fim. Ela que soube ditar as rimas, preencher as rupturas, cadenciar a batida do meu coração. Como se novos textos lindos pudessem ser reescritos a cada segundo com o mesmo semblante em vigor.

Dia Epagômeno

Na sua ausência, sinto falta de mim, sinto falta de ti. Imaginar seus pensamentos em outros quintais, me deixa averso a conhecer verdades e revelações. Preferiria que a verdade fosse aquela que costumo emoldurar nos momentos de solidão, iluminado por um quarto escuro, quando posso me expressar e me iludir.

Queria que estivesse aqui. Sua ternura recoloca planos sobre a mesa. Infla meu peito de coragem, desejo de criar, ânsia em cumprir. Seu sorriso me contempla esperançoso. Suas palavras me preenchem harmonia. Sem saber seus rumos, e como lhe perseguem outros quintais, fechei-me aqui e declararei para sempre o hoje, um dia epagômeno.

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