Corrosiva

Crônicas corrosivas e gestos de amor

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Teu Medo, Meu medo

Medo é contagioso. Pelo menos em casos como o meu, em que a coragem possui baixíssima imunidade. Dizem que compartilhar seus medos pode lhe trazer benefícios. Mas, o que não te contaram é sobre o grande potencial de contaminar os ouvintes com o seu temor.

Foi assim comigo, dezembro passado, espremido entre um trêmulo oriental e a pequenina janela do avião. Procurava me ajeitar no espaço reduzido para um cochilo tranquilo, quando o sujeitinho do lado pronunciou a maldita frase:

– Essa porcaria vai cair.

Um homem-bomba? Olhei para o lado e vi o coitado se borrando. Percebendo logo que não se tratava de um suicida, perguntei:

– Primeira vez?

– Oi?

– Perguntei se é a primeira vez?

– Tô mais preocupado se vai ser a última.

Procurei sorrir e confortá-lo:

– Relaxa. Viajar de avião é mais seguro que andar de carro ou a pé.

– Ah é? Caiu um  semana passada, você viu?

– Sim. Dos mais de 100 mil que costumam levantar voo todos os dias.

– De que adianta 99.999 chegarem ao destino, se o meu resolver cair?

Eu dei risada e completei:

– Ei, não seja egoísta. Não é seu, é o nosso avião. Se você se esborrachar, eu vou junto.

Ri novamente, mas ele não achou graça. Ficou me olhando com uma expressão reprovadora pela piada fora de hora. Por isso, falei sério:

– Escute. Procure respirar fundo e pense em coisas positivas. Você é casado?

– Quer saber se vou deixar viúva?

– Ei cara, não exagere. Escute: é normal sentir medo. É só não deixar o medo te dominar. Procure fechar os olhos e…

– Fechar os olhos? Só falta me pedir pra dormir.

– Não seria uma má ideia.

– Você sabia que a dor é maior se você sofre um impacto enquanto está dormindo?

– Como assim?

– Quando você está acordado e sofre uma lesão, você contrai os músculos e isso diminui a dor. Mas se você está dormindo, os músculos ficam relaxados. E aí, parceiro, a dor é bem maior.

– Mas se você está dormindo, nem dá tempo de sentir dor.

Ele se inclinou pro meu lado e sussurrou:

– O cérebro continua enviando sinais de dor por alguns segundos. Você sofre como um porco.

– Onde você ouviu isso?

– Eu vi no YouTube. Tinha um médico dessas coisas falando sobre isso.

De repente, perdi a vontade dormir.

Tempos depois, ele disse:

– Olha como ele balança.

– Mas isso é a turbulência.

– Mas tá balançando demais. Isso não é normal.

– Será?

– Eu vi um vídeo na internet e o rapaz falou que, não sei porquê, quando balança de um jeito, o avião cai.

– “De um jeito”? Mas, de que jeito?

– Desse jeito, homem! Ah, e o cara era especialista.

– Especialista em quê?

– Ah, nesses troços de avião.

Foram 20 minutos, os mais longos de minha vida. Até que, para meu alívio e sobrevivência de todos,  o avião pousou sem problemas. Na saída, o “vizinho” atormentado ainda arrematou:

– É, dessa vez escapamos. – E pela primeira vez em nosso desagradável encontro, sorriu.

O psicótico deve ter ido pegar um táxi, pela expressão de alívio. Quanto a mim, ainda tinha que pegar uma conexão. E as palavras do cidadão me acompanhavam.

Na outra aeronave, já acomodado, não estava com sono, nem com vontade ler ou qualquer coisa que o valha. Assim que levantamos voo, olhei para um tranquilo senhor, sentado ao meu lado. Percebendo que eu não estava lá muito bem, ele me perguntou:

– Está tudo bem, filho?

Após engolir em seco, arrematei:

– Não sei não, cara. Mas acho que essa porcaria vai cair.

O Conquistador

Decidiu comprar um livro sobre como conquistar as mulheres. Taciturno, tortuoso, não lidava bem com elas. Até hoje, 35 anos nas costas, não fora capaz de conquistar um grande amor.

Por isso, comprou o livro de um especialista. “O Conquistador”, de Michelin Lucká. Que nome! Que sobrenome! Mais de 500 páginas de sapiência amorosa derramado em cada entrelinha.

Correu para casa e começou sua leitura (ele diria, seu “curso”). Pulou o prefácio – dizia que prefácios só enchem páginas, tomam tempo e enriquecem escritores. Não tinha tempo a perder. Afinal, era um desesperado ansioso por colher cada conselho randômico ali distribuído, que mudaria sua vida amorosa por completo. Cobriu as páginas com uma voracidade selvagem em dois dias. Salivou a cada conselho, a cada página que o conduziria a uma nova existência.

No terceiro dia, estava pronto. Era hora de colocar os conselhos em prática!

O especialista dissera: “Vista-se bem. Confira. Reconfira. Peça opiniões. Mulheres gostam de homens que se vestem bem. Se for pra sair com alguma camisa amarelo-cagado que seu avô te deu ano passado, fique em casa e vá assistir TV. Lembre-se: Vista-se muito bem”.  Patético até o osso, foi à balada de terno.

No bar, chegou balançando os braços. Isso demonstra segurança, dissera o especialista. Nada de mãos no bolso, movimentos curtos, passos miúdos. Isso é coisa de frouxo. Machos dominantes se movimentam exagerada e desnecessariamente.

Parecendo mais um boneco biruta de posto de combustível, chegou ao balcão e pediu uma bebida. Gritou, na verdade. Lembrava-se do que havia lido: “Perdedores falam pra dentro. Vivem fazendo as pessoas dizerem: hã? quê? como?”  Por garantia, esgoelou ao pedir um martíni.

Deu mais umas balançadas epilépticas e olhou de lado, para uma morena arrebatadora. Tinha olhos flamejantes pra burro, pensou. Um inferno de bonita. Daquelas que fazem o cara esquecer toda a lição de casa. Mas conseguiu se lembrar do conselho: “Sempre faça barulho. Quando falar, grite. Quando pensar, grunha. Quando bocejar, gema. Quando não estiver fazendo nenhuma dessas coisas, comece a batucar uma mesa, balcão ou o que estiver na frente”.

Coçou a cabeça, e gemeu; coçou o corpo e grunhiu; espreguiçou-se e atroou um longo “ooouuuuuuuuuaaaaaaaiiiiiiaaaaaaaiiiii” bem rouco, parecendo um javali dominante da floresta. Olhou para a morena, tentando imitar o olhar de James Bond.

“No primeiro contato que tiver com uma mulher, nunca diga ‘oi’. Isso é coisa de perdedor. Fale no mínimo 3 ou 4 palavras. Fale frases. Mulheres gostam de homens que falam frases. Nada de interjeições imbecis. Se for pra ficar na base do ‘legal, uhum, puxa, q coisa’, melhor voltar pra casa e comer farinha láctea”. 

– E aí, gata, o que rola?

– Quê???

“Se a mulher perguntar ‘quê?’ com uma expressão de quem acabou de presenciar alguém vomitando, suas chances estão no fim. Se quiser continuar vá em frente – já lidei com muitos teimosos como você -, mas vou avisando: nesse ritmo, acho melhor ligar pra sua mamãe e pedir pra voltar a morar com ela”. 

– Posso te pagar uma bebida?

– Eu já tenho uma – disse, apontando para o copo, evidentemente desinteressada ou apenas fazendo tipo. Sinceramente? Ela não estava fazendo tipo.

Lembrou-se de que o especialista havia dito sobre fazer as mulheres rirem. Mulheres gostam de caras que as façam rir. Uma sacada engraçada era o que ele precisava agora.

– Pois eu ainda não tenho uma bebida. Me paga uma? – E riu. Só ele, claro.

“Se você fizer uma piada e a mulher fizer uma expressão de búfalo em época de seca, com o sol a pino, em pleno verão africano, pode levar este livro de volta na livraria e pedir reembolso. Trabalho com perdedores, mas você já passou da conta”. 

Mas ele não estava a fim de se entregar tão facilmente. Tinha nas mangas um grande trunfo, o grande conselho do sábio que lhe dera forças para estar ali. “Seja sincero. Isto derrete o coração de qualquer durona”.

– Escute, eu não sei lidar muito bem com as mulheres, entende? Até comprei um livro pra aprender um pouco sobre a arte da sedução, mas confesso, acho que não levo jeito pro negócio. A única coisa que sei é que você é de longe a mulher mais linda dentro deste bar, e se for pra levar um fora, quero levar um fora seu.

Ela sorriu. Pensou no que dizer. Isso é bom. “Mulheres quando pensam no que vão dizer é sinal de que…”. De que…? de que…? Ah, dane-se. É sinal de alguma coisa.

– Escute querido. Se está aplicando o conselho de algum especialista, te aconselho a trocar de escritor. Esse aí, com certeza, é charlatão. – E voltou-se para a bebida.

Quanto a ele, magoado, voltou pra casa. Ainda sozinho. Ainda solitário. Para o dia de amanhã, não sabia muitas coisas, nem tinha esperanças. Mas ao menos tinha duas certezas.

Iria à livraria para devolver o livro; e no caminho de volta, aproveitaria pra comprar mais uma lata de farinha láctea.


Mulheres Inteligentes

Era uma garota culta. Notoriamente culta. Poucos atrativos físicos, mas um cérebro de causar inveja. Uma boa representante das mulheres inteligentes. Cursava o último ano de artes. Nas horas vagas, ouvia Pachelbel, lia Sartre, contemplava Dali, consumia Godard. Não simplesmente vivia. Estimulava-se. Exalava saber. Inspirava criação. Criava inspiração.

E entre tanto inspirar, ele transpirava paixão. Ele, perdidamente apaixonado pela “Garota Saber” que sequer sabia de sua existência. Como ela, ele também não era dotado de atrativos físicos. Diferentemente, era burro como uma porta. Se ao menos tivesse estudado textos sobre mulheres

Mas o amor consegue ser destemidamente desbravador quando quer. Por isso, ele estudou tanto quanto pôde todas as preferências dela, seus gostos. Demasiada informação. Repetição. Associação. Recapitulação. Noites e noites em claro.

Mas, ao menos, a recompensa lhe parecia perfeita e eterna.

Mulheres InteligentesNum barzinho universitário, ela sozinha junto ao balcão. Ele respira fundo. Bem fundo. Aproxima-se, um andar cautelosamente calculado. Senta-se ao lado, fingindo distração.

Ele, após pedir a bebida, sem olhar para ela:

– Esse ambiente é um tanto quanto claustrofóbico. Remete-me a Misery.

– Como?

– Digo: esse bar. Claustrofóbico. Misery.

– Misery? – Ainda tentando entender a abordagem do “estranho”.

– Uhum. Sir King.

– Ah! – Aquele “ah” de quem compreende. Ótimo. Ponto positivo.

– Só faltava nevar – brinca, nova referência ao livro.

– É. – Desanimadoramente monossilábica.

E então faz silêncio. Ele esperava um comentário convidativo, algo que fugisse às interjeições desestimuladas. Nada bom. Mas o amor consegue ser tapadamente persistente quando quer. Por isso, ele espera uma “deixa”.

A música ambiente, algum jazz que ele não conhece (o que não é de surpreender), termina, deixando uma aura de silêncio onde sussurros podem ser ouvidos. Ele suspira profundamente. Arremata:

– Play it again, Sam!

Ela sorri. Outro ponto positivo.

– Também amo Casablanca – ela.

– Assisti três vezes.

– Três?

– Essa semana.

– Puxa!

– Sabe como é?!? Um fã inveterado de Humphrey Bogart.

– Eu nem tanto. – E faz silêncio.

Ela discorda. Ponto negativo. E ainda por cima, o silêncio. Ele precisa continuar o assunto que conseguiu lhe arrancar um sorriso. Mas falar o quê? Nunca assistira Casablanca em toda sua vida. E não conseguia se lembrar dos detalhes do filme que havia estudado em alguma revista. Pouco importa. Continue. Continue.

– Pobre Scarlett O´Hara – arrisca.

– Como? – Ela ri. – Scarlett O´Hara em Casablanca?

Excesso de informação. Dados cruzados. Reorganize. Reorganize. Scarlett O´Hara. Nunca mais sentirei fome em minha vida. “Minha Vida de Cachorro”? Não. Tente se lembrar das associações. Scarlett. Fome. Sem comida. Sem, porque alguém levou. Comida que o vento levou. Aham, é isso!!!

Pontos de suor aflorando na testa, apressando-se em ressalvar:

– Refiro-me à sessão de logo mais. E o Vento Levou… quarta vez essa semana. Só de lembrar o que a pobre Scarlett vai passar, fico emocionado.

– Sério? Costuma chorar nos filmes?

– Até em Chaplin Marx.

– Quem?

Dados cruzados. Simplifique. Simplifique.

– Hãã… Chaplin, o vagabundo.

– Ah, sim. Ele tempera as piadas com emotividade. Consegue emostar as lágrimas.

– Concordo. – Deixaria a palavra “emostar” para o próximo encontro com o Aurélio. – Mas nada que um pouco de Mercury Rev após não resolva.

– Hum… Boa pedida. Mas quer uma sugestão: prefira Smiths. É mais simbiôntico.

Simbiôntico? Biôntico. Biônico. Olho biônico. Eletrônica.

– Sim, um som eletrônico é uma ótima sugestão.

– Smiths, eletrônico?

– Hãã… – Mais suor. Reorganize. Reorganize. Que inferno é esse tal de Smiths? Seria Will Smith??? Arrisque. – É que o rap tem algo de eletrônico.

Rap?? The Smiths é rock.

– Rock? Sim. Foi o que eu disse. RAP. “Rock to Alternative People”. Um movimento musical ocorrido nos guetos londrinos, iniciado nos anos noventa.

– Smiths nos anos noventa? – rindo.

Anta. Por que não colocou ponto final depois de “londrinos”? Agora se vira.

– Hãã… bem… É que talvez você não tenha ouvido a demo que lançaram na década de noventa, antes de estourarem nos anos dois mil.

– Como assim? The Smiths é dos anos 80.

Ele pigarreia. Demasiadamente embaraçado. Quase entregue. Quase… Mas o amor consegue ser insensivelmente cara de pau quando quer.

– Desculpe. Estou um pouco confuso. Qualquer um ficaria após contemplar Rembrandt por duas horas seguidas.

Surpresa:

– Você gosta de Rembrandt? Não acredito! Eu amo Rembrandt. Amo, amo, amo. Qual seu quadro preferido?

Quadro preferido? E agora? Acesso ao banco de dados mental. Qual era o nome daquela coisa cheia de rabiscos? “La Gioconda”? Não. “Peloton”? Não, esse é um disco do Delgados. “Sagrada Família”? Melhor não arriscar. Cruzamento de informação. Miscelânea. Mistura indigesta. E agora?

Ele, evasivo:

– Prefiro aquela fase após ele cortar a própria orelha.

– Mas quem cortou a orelha foi Van Gogh.

– É… Então… Pra ser bem sincero, estou começando agora a apreciar os pintores italianos.

– Italiano? – Rindo de novo. – Rembrandt era holandês.

– Era? Bem, isso era o que se acreditava no século 15…

– Mas Rembrandt viveu no século 17.

– CHEEEEEGA!!! – grita.

Ele se levanta, furioso, e retira-se do bar sem dizer mais uma palavra sequer. Das aulas com a Garota Saber, aprendeu uma importante lição: mulheres inteligentes são complicadas demais.

E nessas horas, nem o amor.


POEMA – BELEZA REPARTIDA

Um mergulho em seus olhos
Um retorno às minhas origens
Uma volta ao mundo
Um mundo de volta
Toda beleza repartida
Agora reunida
Num único olhar

Poema Beleza Repartida

QUEM É O MAIOR ANTI-HERÓI DO CINEMA?

A etimologia pode trair a concepção. Mas acredite: anti-heróis não são vilões. São diferentes em dois aspectos. Primeiramente, na própria definição. Numa definição tosca e rasteira, anti-herói é um herói cheio de defeitos. Mas, em segundo, e mais importante aspecto, vilões são personagens extremamente desinteressantes. Sempre recheados das mesmas características: são explosivos, previsíveis, patéticos. A mesma velha e desgastada expressão, a mesma sede de violência, a mesmice do mesmo. Por outro lado, os anti-heróis não estão tão inclinados a soberba. Aproximam-se mais da realidade. E isso é justamente o que os diferencia dos heróis, também. Possuem humor (negro), são irônicos, inteligentes, irritantes. Estão revestidos do oposto ao axiológico positivo: são imprevisíveis por não serem dotado da patética pureza perfeita dos heróis. São eles. São eu e você.

Ao pensar no grande nome entre os anti-heróis do cinema, confusão a vista (o que qualquer um poderia prever). Mas um exclusivo nome tende a desmerecer devidos créditos. Por isso, em minha tosca e infundada opinião, satisfaço minha paixão pelo cinema poético-realista, destacando dois nomes que devem estar no topo de qualquer rol dos anti-heróis do cinema.

TRAVIS BICKLE:

Frustrado, alienado, insone, obcecado, perturbado, egoísta, irônico, bruto, sensível, solitário, paranoico, deprimido, iludido por tentar fazer alguma diferença. Quer mais detalhes?

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Estranho no Ninho Murphy

RANDLE PATRICK McMURPHY:

Visceral, Randle Patrick McMurphy, o criminoso que se faz passar por louco, torna-se, no final das contas, o mais humano no decadente e agressivo manicômio.

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Será que fui injusto? Será que isso me torna um anti-herói?

POEMA SOBRE SIMBIOSE

Poema Sobre Simbiose

Ela lá e me sinto cá

Torpe, tolhido

A fumaça que me agride

A neblina que retarda

Uma vida desfalecida

Entre sombras do passado

Repassando horas vigílias

Execrando pobres poemas

Entre velas e eras

Paralisado, num vício de teus olhos

Restam-me ecos

Restam-lhe sonhos

O suor serpenteando seu corpo

Calejando tez e cílios

Redecorando memórias

Sob minha pele

Mas fora do alcance de minhas mãos

Apenas nos perdemos

E tanto nos perdemos

Nesta frágil simbiose.

OS ANTISSOCIAIS II

Os Antissociais

– E aí?

– E aí?

– Fazendo?

– Nada.

– Também.

– Vai sair?

– Nem. Cansado pra burro.

– O que fez?

– Ah, sei lá. Fiz nada, não.

– Então tá cansado do quê?

– Sei lá. Dessa paradeira, deve ser.

– Então por que não sai?

– Porque tô cansado.

– Então sai que descansa.

– Ninguém sai pra descansar.

– Então fica em casa, caramba.

– Pô, mas isso cansa pra burro.

– Cara, tu fala umas coisas nada a ver.

– Tipo…?

– Tá cansado, mas não fez nada.

– E isso não cansa?

– Então descansa.

– E o que tô fazendo?

– Então não reclama.

– Quem tá reclamando?

– Tá, deixa quieto.

– E você? Vai sair?

– Nem.

– Por que?

– Ah, você me cansou.

Crédito Foto: Bobbi Dombrowski

POEMA SOBRE ECOS

Poema Sobre Ecos

Infame a solidão
Em fama opressão
O eco onipresente
Em restos, desrestos
Perene, mutila
Rompe sôfrego
Caindo trôpego
Corta elos
Os mesmos elos
Que mantém livres
Nossas almas.

 

ETOGENIA

Quando a intensidade lhe cobriu os olhos naquele novo formato, deixou-se guiar pela profusão de novos sonhos. Era uma experiência nova, uma aquisição há muito esperada, novos parágrafos acrescidos à etogenia. Por entre a tensão e a alegria de rever os contornos que lhe emudeciam os olhos, descobriu-se adepto do que um dia, já desistira de esperar: o verdadeiro amor.

LADY JANE

O coração da jovem parecia tempestuoso, cálido ao toque das palavras dele, quando ele a chamava pelo nome. Não eram palavras especiais, mas se tornavam especiais quando cruzavam a fronteira do seu órgão muscular, desfilando por entre aurículas e ventrículos. Chamejava com a consistência inconstante daquele ritmado destoar que só deste gosto provaram os que amaram ao menos uma vez.

E com a mesma aguçadura com que lhe infligiam as palavras tocantes, foi-lhe arrancado o ar quando ouviu, da mesma boca, a boca dele, o amor por outra mulher. Sob o rugir tempestuoso das palavras em seus ouvidos, se confundiram a acidez e o destempero. Inerte, calou-se. Calou fundo a verdade que esfriou seu calor. Por ora, fugiu-lhe a vida. O sangue achou que não precisava mais correr. O ar sossegou. O pulmão aquietou. O corpo abjurou.

Lady JaneCaminhou rumo ao nada, embora, estivesse estagnada. A inércia a conduzia. Diluía. Fragmentos de mulher aqui, ali, acolá. Caminhando ao nada, ao nada chegou. E como nada encontrou, continuou. Ainda hoje, vagueia pelas estradas, a procura do seu lugar. Caminha por estradas, pontes, desertos, fronteiras. Mas quem a observa ao longe percebe, pobre mulher, ainda continua parada no mesmo lugar.

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