Corrosiva

Crônicas corrosivas e gestos de amor

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Parte do Céu

Menina no labirinto. Lábios conjugam movimentos. Um pedido de socorro. Mil vezes infinitivo. Seu desespero corre em suor pelo seu rosto. Gosto de sal, mal posto. Seus pés vacilam, pé ante pé a pé. Pela fé. Perdida, pede socorro. Ecoa a voz. Soa a sós. Ecoa… e ecoa… e ecoa…

Menino ator. Molda-se. Cria-se. Atua dor, amor, terror. Não a engana. Não a esgana. Perde-se, mas jura achar-se. E promete à menina perdida, a saída.

Menina no labirinto. Perdida. Agora, pedida. A mão dele estendida ao seu alcance. Oferece-se. Promete-lhe. Vida. Parte do céu. Segurança. Um véu.

Menino ator pega mão da menina no labirinto. Sorriem.

Ela. Sai do labirinto. Torna-se atriz. Vida. Um sentido. Segurança. E abandona menino ator.

Ele. Refugia-se no labirinto. E cobre o rosto com o véu da menina que hoje é parte do céu.

 

O Começo dos meus Livros Inacabados

Obras que um dia comecei e que o Tempo ainda não me permitiu concluir

SENHOR ANGÚSTIA

Queria eternizar suas palavras. Botá-las ali. Uma afirmação. E reafirmação. Estava vivo. Queria se expressar. Do seu coração, elogios. Dos seus poros, críticas. De cada buraco. De cada centelha. Ele inteiro, por inteiro. Seria eternizado. Louvado. Repudiado. E ados e mais ados. Mas ao menos, seria. O que era uma grande coisa. Ultimamente, era-lhe complicado ser qualquer porcaria. Só “desser”. O inverso do um verso. Um só verso no universo. Sem rimas. Sem climas. Só o mesmo loser de sempre.

INSANIDADE E VINHO TINTO

Começa assim…

Você se cansa de algo. Quando percebe que o Algo é permanente, feroz, inabalável, você tenta encontrar meios de derrubá-lo. E rápido, antes que você seja vencido, primeiro. Se você não teme o Algo, você o ignora, simplesmente. Acaba deixando para lá. Mas se o Algo te perturba e ameaça tua liberdade – discreta sanidade –, você reage.

É sempre da mesma maneira.

Comigo também começou assim.

Algo me ameaçou.

E eu reagi.

ENIGMA PUBLIUS

Um círculo vivo. Oito pessoas se encarando. Oito miseráveis, olho no olho. Mas ele se perguntava se poderia chamar aquilo de “círculo vivo”, apropriadamente. Estavam mais para zumbis. A maioria, era verdade, chegou bem perto da morte. Aquele vesgo de cabelo branco disse, certa vez, que entrara em coma. Overdose. Seis dias numa unidade de tratamento intensivo. Sem pesadelos, sem dor, sem lembranças. Até que resolvera acordar e foi jogado novamente para dentro do mundo impiedoso, onde os ratos imperam e o lixo é a matéria-prima da existência degradante. Pior para ele, amigo. Pior para ele.

PSYCHO

Um corpo inchado. Meu corpo. Suor. Meu suor. Uma espécie de transe. Um transe. Difícil definir. Inútil tentar. São apenas lembranças que parecem ser visões do que ainda está para acontecer. São imaginações que parecem ser lembranças de situações vividas (e desvividas). Quem se importa? Enquanto suo, me concentro. Cada segundo, uma vítima. Então, me vem lembranças e imaginações. Tento separá-las. Não posso me confundir. Flashes, decomposição, ode ao vazio. Sentado numa cadeira, em frente ao computador – a máquina que escraviza o homem. A ferramenta do mal. Ali estão. Ali se escondem. Um momento estranho. Uma pista. Apenas um flash. Seco as mãos, muito suor. Ou será sangue? Concentre-se. Eles estão ali. Abrigam-se entre bits e bytes. Ocultam-se entre códigos. São imperceptíveis. São quase perfeitos. Sorrio. Quase perfeitos… quase.

É no “quase” que eu entro.

E é no “quase” que assino PSYCHO.

Reticências

Teria composto traços de tua plenitude
Esboçado planos, esboços planejados
Teria sondado as regras de tua voz
E das frações de teu fulgor
Desenharia a melodia que ecoas
Quando rimas teus passos
Como em textos profundos de amor
Reteria teu semblante, risos e bocas
No momento em que passas
No instante em que pairas
Por aqui, por ali, pelo ar
E com cada tua iminência
Reter-te numa eterna sequência.

Reticências

Solidão, Ainda

Ela acordou em seu mundo ácido sob a nuvem negra que lhe acompanhara por toda a vida. Parecia-lhe tênue, como sempre foram seus sonhos. Parecia-lhe apenas mais um eco. Apenas um instante que se vence com um passo a mais.

Sempre ouvira, toda sua vida – “tudo passa”. Ela passara, enfim. Como se tudo aquilo que acreditara ser fosse apenas um protótipo, um esboço mal resolvido de sonhos jamais alcançados. Sua vida poderia ser descrita em apenas algumas crônicas pequenas. Nada mais do que isso. Nada mais do que sonhos que se perderam em sua mente distante. Quando se deu conta, a Terra já havia dado outra volta. Sonhos haviam sido criados. Mundos despedaçados.

E ela continuava só.

Crônica Solidão Ainda

Garota brasa

No elevador.

– Bom dia!

– “Bom dia” por quê?

– Só estou te desejando um bom dia.

– Por quê?

– Oras, eu não posso te dar bom dia?

– E eu não posso perguntar porque está falando isso pra mim?

– Simplesmente porque eu quero que você tenha um bom dia.

– Por quê? O que eu te fiz?

– Como assim?

– Você está me devendo alguma coisa?

– As pessoas costumam dar bom dia para outras, querida.

– Ah é? Eu não faço isso. Pelo menos, não com estranhos.

– Mas eu não sou estranha.

– Como não? A gente nem se conhece.

– Pensei que trabalhássemos no mesmo prédio. A gente se vê quase todo dia.

– Mas isso não nos torna amigas.

– E só amigos dão bom dia?

– No mínimo. Eu vou dar bom dia pra quem não conheço? Vai que é um psicopata, um assassino. Eu vou lá querer que ele tenha um bom dia? Eu quero mais é que se exploda.

– Puxa, valeu. Quer que eu me exploda também?

– Se continuar me incomodando quem vai explodir sou eu.

– Te incomodando? Mas eu só disse bom dia.

– E você fala “só”? Só falta agora querer me dar beijinho, também. Odeio que me toquem, já vou avisando.

– Ah, mas pode deixar, sua azeda. De hoje em diante nem te cumprimento mais.

– Azeda, eu? Você que me vem com essa cara de sonsa, e com esse bomdiazinho meloso e falso, e eu sou azeda?

– Falso?

– E digo mais: por não me cumprimentar, você vai me fazer um grande favor. Até porque já tô por aqui com essa sua vozinha de taquara rachada.

– Ah, sua… sua…

– E aproveitando: esse seu perfuminho de rodoviária me dá náuseas, garota. Experimente ficar só no sabão de coco que eu garanto que vai melhorar.

– Escuta aqui…

– Se não percebeu, querida, este é o seu andar. Até logo.

A senhora educada, agora profundamente irritada, sai do elevador batendo os pés, furiosa com os comentários da “garota ácida”. No mesmo andar, um elegante rapaz entra no elevador e se dirige à garota:

– Eita… Bom dia! O que deu nessa daí?

– Ah, acordou azeda, só pode. – Após uma breve pausa, arrematou: – A propósito, “bom dia” por quê?

DIÁLOGOS FILOALCOÓLICOS DE LUCKÁ E MESSINA – VI

Tirinhas Engraçadas

DIÁLOGOS FILOALCOÓLICOS DE LUCKÁ E MESSINA – V

Tirinhas Engraçadas

Lacuna

Veemente.

Árdua.

Ela queria poder dançar sob o luar, como se pudesse ser a estrela principal, no palco da noite. Queria flutuar, e se deixar partir, como se soubesse que sua falta amarguraria corações. Queria poder gravar-se no papel. Rimada. Eternizada. Como se seu calor pudesse abrasar a ausência de sua voz alada. Como se a cada nova rima, ela pudesse ser lembrada.

Árdua

Veemente.

O Milagre

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DIÁLOGOS FILOALCOÓLICOS DE LUCKÁ E MESSINA – IV

Tirinha engraçada

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