Corrosiva

Crônicas corrosivas e gestos de amor

Cão Soldado

Passeava na esquina sem chamar a atenção. Sem coleira, sem um dono à espreita. Carregava algumas dezenas de pulgas e uma expressão abobada que nunca estimulava reações do tipo “que fofinho”! Apenas mais um virador de latas qualquer.

Seus passos nem pareciam cautelosos. Mas eram. Pata ante pata, cada passo e cada olhar lânguido executados, estrategicamente. Como um bom soldado, não queria chamar a atenção. Somente assim, completaria sua missão.

E foi justamente naquela esquina que resolveu parar. Sua atenção foi chamada para um objeto colocado cuidadosamente na esquina, provavelmente por um benévolo coração humano. Era um pote de ração – para gatos.

O cão sorriu. Na guerra em que lutava havia mais de 15 anos, sempre dependera das pernas para alcançar o inimigo. Agora, no entanto, usando de inteligência e estratégia, simplesmente o esperaria.

Por isso, tratou de atravessar para o outro lado da rua, esconder-se atrás de uma árvore e esperar.

E ali ficou, pacientemente, enquanto uns vinham e outros iam sem dizer: “Que fofinho”!

Até que surgiu a figura que ele tanto esperava. Um felino marrom, desfilando suavemente sobre um telhado. Seu caminhar era uma dança deleitosa para os olhos apreciarem. Como o cão soldado gostaria de ter uma habilidade assim, em vez daquele caminhar rústico, pesado e torto.

Olhando atentamente, observou quando o gato deu um salto cinematográfico e repousou suas patas no chão sem emitir qualquer ruído. Um exímio caçador, pensou o cão do outro lado da rua.

Aos poucos, o felino se aproximou do pote de ração e se curvou para comer.

Era a deixa que ele precisava.

No entanto, quando o cão soldado deu o primeiro passo de seu ataque mortal, sentiu uma terrível fisgada na perna direita frontal. Praguejou qualquer coisa diante da realidade de sua idade avançada.

Bons tempos em que ele lutava por sua raça com um vigor sem igual. Hoje, sentia dores até nos pelos.

Guerreiro, ainda tentou cruzar a rua para o ataque. Mas as dores impediam-no de avançar com velocidade. Caminhou tão lentamente que deu tempo do gato terminar a refeição e desaparecer rapidamente pelo mesmo telhado de onde surgira.

Não tinha mais idade para confrontos com felinos, pensou.

Por isso, resignado, continuou seu caminhar lânguido pelas ruas, desta vez, mancando muito.

Até que viu outro pote de ração em uma esquina. Desta vez, a ração era para cães. Quando sentiu o cheiro dela, seu estômago revirou, suplicando por uma porção.

Quando se curvou para a primeira abocanhada, percebeu, pelo canto do olho direito, o vulto de um gato saltando violentamente sobre ele.

Instagram: Juliano Martinz

1 Comment

  1. maria tereza warken

    at

    EU TO MUITO CHOCADA
    vc tem um talento incrivel

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