Corrosiva. Soava-lhe invasiva e fulminante. Era vida. Desvivida. Quase um despropósito vago, latente. Deitada, as costas viradas para a porta. Esperando. Repouso funesto. Cansativa espera diária. Ele sempre voltava de madrugada. Duas. Três da manhã. Pés se arrastando entre nuvem alcoólica e perfume barato. Ela ensaiava o que dizer. Protestos. Ameaças. Ou um melancólico adeus. Mas do todo, um nada recorrente. Eram as correntes que não a deixavam ir além. Medo comovente. A pergunta lhe fustigando a pele. Para onde ir?
Ela o conheceu em uma época em que flores e promessas de amor acompanhavam o brilho dos seus olhos. Palavras cuidadosamente escolhidas e plantadas em sua alma. Não era o homem dos seus sonhos, mas aquele que se esforçava em ser. Esforçava. Forçava. Até quando duraria este ava? Até a eternidade. Acreditou na vacuidade humana: palavras. Promessas. Consoantes e vogais num complô covarde. Qual de nós será a vítima de amanhã?
Hoje, ela e a cama fria. Presença ausente. Ausência presente. Raízes mortas de flores outrora impetuosamente cintilantes. Brilhos foscos de olhos tecendo mentiras ácidas. Descoberta em meio a dementes e doentios.
Ela ensaia seus discursos, seu adeus. Pensa na mala. Nos objetos e roupas sendo desordenadamente guardados. Pensa na estrada que outrora chegou a conhecer. Dias e milênios rendidos ao seu comando. Era jovem e confiante. Absoluta. Disposta a conquistar todo o oxigênio que lhe almejasse pulmões. Pensa na estrada. E teme. Acostumou-se a se equilibrar nos fios elétricos. Absorvida pela terra fria. Subtraída da atmosfera onde costumava ouvir sua voz e sentir seu oxigênio.
Ela ensaia seus discursos. Mas sempre deixa para amanhã. Ela pensa. Suspira. E dá as costas para a porta.
Para onde deveria ir, afinal?
SOBRE O AUTOR
Juliano Martinz é escritor, biógrafo e criador do site Literatura Corrosiva.
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Legal, não me identifiquei, mas senti muito todas as palavras ditas.
Ótimo texto!
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As MELHORES crônicas.
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Sim, muito boa a crônica.
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Muito perfeito. Retrata a vida que muitas mulheres levam, sempre deixando pro tal do amanhã, e esquecendo a felicidade que poderiam estar sentindo hoje, né… lembra até alguém que eu conheço.
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Mentiras acidas , surge como uma crônica romântica e intensa pois , retrata fases de um romance que ao
inicio traz muita nostalgia (Ela o conheceu em uma época em que flores e promessas de amor acompanha-
vam o brilho de seus olhos).
Ao mesmo tempo demostra uma insatisfação ,de sua amada ,no relacionamento devido ao desgaste do ro-
mance (Chega as 2 as 3 da manha perfume barato ).
Com tudo,não deixa de ser uma , execelente crônica romantica!!!
Muito boa!!!!