A noite lhe tecia a pele. Contornava seus contornos com ânsia sôfrega e doentia. Ela perambulava. Seu cabelo tempestuoso. Tempestade em seus cabelos. Como se estivesse em queda livre. Ela estava em queda livre.

Seus olhos diziam: CANSADA.

Seus olhos diziam: VAZIA.

Seus olhos diziam: ÚLTIMA CHANCE.

Tinha uma habilidade: escapar ilesa. Assim sobrevivia. Assim sobrevivera. Acusada de todos os crimes. Culpada de alguns. Preparadora de outros.

Nessa noite, caminhava, desproporcional. Colocou a mão no bolso. Havia um bilhete.

O bilhete dizia: VOCÊ PERDEU SUA VEZ.

O bilhete dizia: CHEGA DE SE PRENDER AO PASSADO.

O bilhete dizia: ESQUEÇA O MALDITO PASSADO.

Era sua letra. Seus “as” falhos, trépidos. Longas pernas nos “es”. As outras letras cuidadosamente diagramadas. Sua letra. Seu bilhete. Sua sentença. Autossentença. Como textos reflexivos e ternas condenações. Caminhava. Logo, seus pés a levaram às margens de um rio calmo que dançava sob a luz do luar. Jogando sua lua refletida pra cá e pra lá. As pequenas ondas bifurcavam o reflexo da lua. Dividindo-a. Sulcando-a. A lua que sempre a acompanhara, agora a rimava em novos versos.

Amassou o bilhete e o arremessou ao rimo.

Ainda o viu mergulhar na lua bipartida.

Seus olhos diziam: CANSADA.

Seus olhos diziam: VAZIA.

Seus olhos diziam: MAIS UMA CHANCE.