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D’ARTAGNAN, O FILÓSOFO E A FESTA

D’Artagnan se propôs um pequeno desafio: dar apenas três passos em linha reta. Levando-se em consideração as latinhas de cerveja que secara naquela festa, desnecessário dizer que não foi bem-sucedido. Orgulhoso irredutível (e defensor absoluto dos incisivos porres diários), botou a culpa no salame: “Aquela porcaria tava estragada”.

Agora, carregando um Chamisso debaixo do braço, e com os olhos mais fundos – e profundos – do que um buraco negro, tentava identificar alguma figura que lhe fosse familiar ao seu redor. Mas para quem não conseguia dar três passos em linha reta, encontrar familiaridade numa festa repleta de jovens bêbados, às 3 da manhã, era impossível. Embora se julgasse capaz de recitar o poeta alemão que carregava debaixo do braço, D’Artagnan nem sequer se lembrava de onde estava ou quem era o anfitrião da festa. Chegando a conclusão de que precisava aguçar a memória, decidiu-se por tomar mais uma.

Foi para a cozinha e começou, com evidente dificuldade, a procurar a geladeira. Ficou incomodado com um cidadão que o encarava o tempo inteiro com uma expressão abobada. Sem sucesso diante de sua busca, estava para desistir quando uma garota se aproximou.

– Procurando alguma coisa?

Ele ficou duas horas tentando identificar de onde vinha a voz, chegando a procurar pela interlocutora na lâmpada, acima de sua cabeça. Quando finalmente a viu (ou um vulto da mesma), ergueu uma das mãos, teatral:

– Procurei por algo em toda minha existência funesta, saltitando discórdias, perseguindo encantos… mas o melhor a fazer é sentar, permanecer estático e me deixar ser encontrado.

– Oh… Pela resposta, suponho que seja D’Artagnan, o Filósofo – disse, sorrindo. – Acertei?

– Hum… Não estou bem certo. Aquele salame afetou meu senso de identidade. – Ele abriu o Chamisso, e sem olhar para ela, perguntou: – E você, quem é? Se for detentora de um dos mais belos rostos dessa cidade, já devo ter ouvido falar a teu respeito.

– Belo rosto? Bom, quem tem que avaliar isso é você. – Ela aproximou-se, sedutora, e tocou os ombros dele. D’Artagnan deu um pulo com o susto. Ela, também assustada com a reação: – Que isso? Qual seu problema?

– Desculpe. Pensei que fosse uma cobra.

– Uma cobra?

– Acho que assisti muito Indiana Jones quando era criança.

– Indiana Jones? Mas o quê…? – Ela riu. – Meu, você é muito estranho.

– Só sou alvo de comentários assim quando estou sóbrio. Se esses são os termos, então acho que preciso de mais uma.

D’Artagnan iniciou mais uma vez a dura tarefa de encontrar a geladeira camuflada naquele pequeno cubículo onde estava. E o cidadão com feição abobada continuava a encará-lo. Sujeitinho sem CPF. De repente, uma cobra peçonhenta caiu em seu ombro. Ele deu um grito escandaloso e começou a se debater, desesperado. Logo em seguida descobriu, para seu alívio, que a cobra era, novamente, e tão-somente, a mão da garota.

– Ei, Filósofo. Calma, cara. Sou só eu. Me deixa te ajudar: o que você está procurando?

– O que estou procurando? – Ele começou a contar nos dedos. – Um sentido na vida. Vamos Caçar Papagaios, do Cassiano Ricardo. Uma namorada. Um aluguel mais barato. A senha do meu…

– Ei, ei… Estou falando agora, cara.

– Hã? Ah, agora… Bom, duas coisas. Primeiramente uma geladeira. Em seguida, uma cerveja.

Ela riu.

– E pretende encontrar uma geladeira aqui no banheiro?

Banheiro? D’Artagnan olhou ao redor. Com esforço – muito esforço, por sinal – conseguiu enxergar a pia, a privada e o chuveiro. Logo descobriu que o sujeito sonso que o encarava insistentemente era sua imagem refletida no espelho do banheiro. Envergonhado (apesar de estar “bêbado como um Henry Chinaski”, como costumava dizer), deu uma pigarreada, um arroto retumbante e cumulativo após diversas latinhas, sentou-se no vaso sanitário, cruzando as pernas, e perguntou:

– Tá sabendo sobre a nova sequência do Indiana Jones?

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