Corrosiva. Soava-lhe invasiva e fulminante. Era vida. Desvivida. Quase um despropósito vago, latente. Deitada, as costas viradas para a porta. Esperando. Repouso funesto. Cansativa espera diária. Ele sempre voltava de madrugada. Duas. Três da manhã. Pés se arrastando entre nuvem alcoólica e perfume barato. Ela ensaiava o que dizer. Protestos. Ameaças. Ou um melancólico adeus. Mas do todo, um nada recorrente. Eram as correntes que não a deixavam ir além. Medo comovente. A pergunta lhe fustigando a pele. Para onde ir?
Ela o conheceu em uma época em que flores e promessas de amor acompanhavam o brilho dos seus olhos. Palavras cuidadosamente escolhidas e plantadas em sua alma. Não era o homem dos seus sonhos, mas aquele que se esforçava em ser. Esforçava. Forçava. Até quando duraria este ava? Até a eternidade. Acreditou na vacuidade humana: palavras. Promessas. Consoantes e vogais num complô covarde. Qual de nós será a vítima de amanhã?
Hoje, ela e a cama fria. Presença ausente. Ausência presente. Raízes mortas de flores outrora impetuosamente cintilantes. Brilhos foscos de olhos tecendo mentiras ácidas. Descoberta em meio a dementes e doentios.
Ela ensaia seus discursos, seu adeus. Pensa na mala. Nos objetos e roupas sendo desordenadamente guardados. Pensa na estrada que outrora chegou a conhecer. Dias e milênios rendidos ao seu comando. Era jovem e confiante. Absoluta. Disposta a conquistar todo o oxigênio que lhe almejasse pulmões. Pensa na estrada. E teme. Acostumou-se a se equilibrar nos fios elétricos. Absorvida pela terra fria. Subtraída da atmosfera onde costumava ouvir sua voz e sentir seu oxigênio.
Ela ensaia seus discursos. Mas sempre deixa para amanhã. Ela pensa. Suspira. E dá as costas para a porta.
Para onde deveria ir, afinal?