Pessoas são pessoas. E a maioria delas sente saudades da infância. Vislumbres e flashes de momentos felizes que não voltam mais. E voltar pra quê?
Não confie no seu cérebro. Esse faceiro sempre apronta. Ele ama esconder seus piores pesadelos no porão da inconsciência. Ali, a podridão fede a portas fechadas. Quando batemos nossos olhos no passado, as coisas boas saltam aos nossos olhos – isto porque o cérebro já fez uma limpa. Lá no porão, jogou nossa insatisfação de madrugar todos os dias para ir a escola, nossa professora de matemática psicopata com um olhar tão assustador que botaria Jason e Krueger para correr. Ali residem também nossas surras na vizinhança, pedradas e ovadas. Nossa vontade era conquistar espaços, viajar o mundo, mas a maioria mal podia ir além de um quarteirão, privados pela proteção dos pais. Os brinquedos preferidos, que amávamos mais do que a própria vida, destruídos por um irmão vingativo. Os castigos eram a pior parte. Doíam mais do que qualquer coisa. 3 dias sem TV era um castigo digno das bruxas da Idade Média. Eu chorava, implorava, esgoelava:
– Amputa meu braço, amputa minha perna, mas me deixa a TV.
A intransigência imperava! Três dias sem Bozo. Três dias sem Thundercats. Três dias sem sangue nas veias. Quando voltava ao mundo real, até o sangue pegar no tranco, havia dificuldade em pronunciar as palavras.
Pelas fendas da inconsciência, podemos ver mais de nossa “infância querida”. Perseguição dos grandalhões que hoje figuram em destaque nas páginas policiais. Calça abaixada na biblioteca da escola, ser trancado em salas abandonadas. Ah, revidávamos, claro. Éramos crianças, não franguinhos. Um soco no estômago do grandalhão que gargalhava enquanto tínhamos a certeza de ter quebrado um ou dois dedos.
Vida de criança é uma chatice. Fora a vulnerabilidade emocional. Um trauma hoje, e amanhã você já superou. Um trauma na infância? Haja tarja preta!
Hoje, aos 35, dou risadas da infância. Juntando uma ou outra peça, daria até pra fazer algumas crônicas humorísticas. Não por ter sido boa, porque não foi, não é, nem será. Mas por integrar o que fui e o que sou. Se pudesse voltar no tempo, não voltaria nem a pau. Mas sou grato pelas risadas que dei, pelos socos que levei, e pelos que revidei. Me orgulho das partes intactas e das cicatrizes. Tenho um bocado de cada uma delas. E todas elas integralizam os passos que dou nessa estrada pra lá de interessante.
E viva os 35!