Estava farto de livros de auto-ajuda. Cansado de frases de efeito que entulhavam Facebook. Extenuado de e-mails em massa com mensagens positivas, melosas, otimistas. Seja um conquistador. Seja um vencedor. Seja o rei do mundo… blá, blá, blá. No fundo, achava que tudo não passava de uma tentativa de negar a beleza da simplicidade das coisas. Ou talvez as pessoas só estivessem camuflando o desespero que vive sob seus travesseiros.
Mas muito provavelmente, ele só era um tolo com inveja de pessoas normais.
Experiente no ramo, um derrotado nas causas universais, um loser ao longo de sua trajetória cunhada por si mesmo como “chatice semivivida”, decidiu escrever um livro. Conhecia o método. Infalível. Comprovadamente eficaz. Pensou num título: “Como Se Tornar Um Perdedor Em Dez Dias”. Por que 10 dias? Não tinha a mínima ideia. Mas soava bem. Isso é o que importava.
Começou a esboçar a essência do livro. Entusiasmado, já prometeria no prólogo:
“Em 10 dias, vocês verão que existe um lado bom em ser o Rei do Nada. Perca seu emprego. Vire alvo de zombaria. Leve um fora de sua namorada. E seja bem-vindo ao mundo dos perdedores”.
Capítulo 1, partiria do essencial:
Sempre fique pelos cantos. Nunca dê passos largos, nem faça movimentos bruscos. Nada de falar alto. Isso é coisa de macho dominante. Básico. Na hora de abrir a boca, não abra a boca. Um bom perdedor nunca tem assunto, e repete sempre as mesmas frases, expressões, interjeições. Sugeriria: “é verdade”. Essa ele carregava desde a adolescência. Deixe a outra pessoa falar, falar e falar. E a cada pausa dela, dê um sorrisinho imbecil e complete: “É verdade”.
Outra dica: dê um jeito de ficar sempre resfriado. Perdedores estão sempre com um lencinho na mão, assoando o nariz. E quando alguém começa a falar com eles, na impossibilidade de realizar a devida higiene na presença do interlocutor, cronometradamente, a substância disforme e gosmenta começa a descer ávida até sua boca. Um espetáculo!
No Capítulo 2:
No emprego, nunca chegar no horário. Muito menos atrasado. A dica é chegar sempre adiantado. Ele sabia o que estava falando. E fazer o serviço dos outros. Assim, em pouco tempo, você terá duas ou três pessoas cavalgando em suas costas. Mas, relaxe. Isso será por pouco tempo. Logo elas serão promovidas, ganharão o dobro do salário, e você ganhará as contas.
Capítulo 3:
Nada de vida social. Isso prejudica a autoestima de qualquer um. Dança estraga os ossos. Conversa prejudica a garganta. Gargalhada fere os pulmões. Acompanhe com atenção: o negócio é se trancar dentro dum quarto escuro, naqueles dias em que o Sol teima em não sair de a pino. Cortinas fechadas, ok? Não ceda às gritarias, risadas histéricas, gargalhadas estrepitosas do lado de fora de sua casa. Não estão felizes, não. Mantenha o foco. Concentração. Eles riem pra ocultar a dor. Disfarçar os fantasmas que lhes socam o estômago. Vai por mim. Feliz é você, há dois dias sem saber de que cor é o céu.
O Capítulo 4 seria especial:
Seja super-hiper-mega gentil com sua namorada. Gentileza e feminilidade são quase sinônimos. E qualquer mulher sabe que se ficar ao lado dum frouxo acabará tendo que sustentar a casa. Seja exacerbadamente gentil e peça desculpas por tudo. Mais ou menos assim:
– Moreeee. Morecoooooo – Não, essa não é a fala dela. É a sua, tonto.
– Quê?
– Tenho um trocinho pra te contar.. cof-cof… Desculpa.
– O quê?
– Ah, um trocinho – Faça voz de songo.
– Que história de trocinho é essa?
– Ai, eu enrolo tanto pra falar as coisas, né? Desculpa, mor.
– Tá, mas diz aí. O que você quer contar?
– Promete não contar pra ninguém?
– Como vou prometer se não sei o que é?
– Ai, eu vivo pedindo coisas impossíveis pra você, né, mor? Desculpa.
– Cara, para de ficar pedindo desculpas.
– Ai, te irritei né? Desculpa.
Vai por mim. Não dura uma semana. E ainda ganhará um “bom” nome entre as amigas dela, que se certificarão de contar isso para outras amigas, e para as amigas das amigas. Em um ou dois dias, metade da população feminina da cidade já saberá que você é um pusilânime fadado ao fracasso, um frouxo que exala derrota em cada poro.
No epílogo, talvez contasse a experiência de vida. 40 anos, morando com os pais, dois salários mínimos, só uma corajosa namorada na vida, sempre um pau-mandado, nunca respeitado, etc e etc… Ah, como a vida é bela!
Quando terminou o esboço, suspirou, contente. Ia ser um sucesso, um best-seller. Quem diria que suas derrotas um dia lhe renderiam fama e dinheiro?
Um ano depois, conseguiu a façanha de publicar o livro. Um editor acreditou na ideia. Milhares de livros vendidos na primeira semana. Milhões ao final do mês. A nação embriagada com suas ideias. Adeptos colocando seus conselhos em prática, um mar de perdedores e derrotados se multiplicando a cada minuto.
No final de dois meses, a nação era dominada por losers. Desempregados, abandonados, frouxos, alvos de zombaria. Unidos, assumiram o poder. Proibiram festas, fecharam lojas, estipularam toque de recolher as 5 da tarde. Gargalhadas eram punidas com prisão. Festas, pena capital. Por fim, decidiram mudar o nome do país para Nada.
O presidente deposto e os militares sobreviventes o chamaram para uma reunião. Imploraram para ele agir, dizer para todos pararem com aquela revolta, com toda aquela violência.
Diante do pedido, ele deu um sorrisinho bobo, juntou aos mãozinhas, balançou o corpinho e disse:
– Ai ai, vocês não gostam de revolta, né? Desculpa!