Numa dessas tardes em que penso “Algo diferente poderia acontecer hoje”, um marasmo estocando sua adaga no meu estômago repetidas vezes e, de repente, algo acontece.
O celular toca. Número desconhecido. Um olhar lânguido e uma falta de vontade atender. Hesito. Deixo pra lá. Mas insistências insistentes que insistem insistir me obrigam a atender.
A reinvenção da telinha do cinema. A mente de um artista fundindo-se à sua paixão pela sétima arte. Sean Hartter concede asas à sua imaginação e reformula cartazes dos clássicos do cinema, transferindo-os para outras épocas, no passado ou no futuro. Uma viagem lúdica e prazerosa para um mundo onde a arte não impõe limites.
Escolha um emprego. Escolha um carro. Escolha uma vida. E depois, resigne-se. É a vida, feita de escolhas e consequências. Um passo aqui para um efeito lá. Pode parecer estimulante. Pode parecer desafiador. Ou, às vezes, deprimente.
Por isso, o homem decidiu não escolher coisa alguma. Esta foi sua escolha. Sem razões definidas, sem explicações aparentes. Ele não precisava de escolhas para ser feliz. E não precisava ser feliz para continuar vivendo.
Autodenominava-se O Homem Invisível. Mas não era invisível, apenas existia. Em dado momento, chegou a se questionar: existia realmente? Fazia parte de um plano? Integrava um todo? E se ele não passasse de uma personagem em um livro?
A vida continuava como um marasmo de cores nada vibrantes. Um emprego desestimulante em um escritório qualquer. Sem família, sem raios de sol, sem perspectivas. Tão somente, ratos e restos.
E dia após dia questionava-se, duvidando de sua existência. Era uma pessoa real com sangue, músculos e vértebras? Ou não passava de rabiscos num papel?
Começou a olhar ao redor com desconfiança. O que via era a realidade ou apenas produto da mente de um escritor? Os detalhes à sua volta denunciavam que tudo era irreal. Seu universo não passava de esboços mal definidos escritos no papel. Ele não passava de um personagem deprimido de um livro que certamente não teria um final feliz.
Consciente disso e insatisfeito com seu rumo, decidiu ir atrás do seu autor. Do escritor que lhe privava alegrias. Por que ele lhe dera uma vida tão enfadonha? Por que não lhe conferira alguma fragrância, momentos de alegria, ao menos uma partícula ígnea de bem-estar? Em vez disso, preferira descrevê-lo apenas com o tédio como componente principal.
Na busca, alimentado pelos pensamentos inquietantes, o Homem Invisível se viu dominado pelo ódio. Perdera o controle. Escapara das direções estabelecidas pelo seu autor. Nesta altura, improvisava. Agia por conta própria, contrariando as descrições do autor. O Homem Invisível começou a ganhar forma. Cheiro. Cor. Logo, visibilizou-se. Um ser atuante e perceptível.
Agora, era uma pessoa real. E como tal, poderia se vingar daquele que o trancafiou num mundo sem perspectivas. O Homem Invisível só precisava de uma faca e um pouco de tempo para encontrar seu autor, seu facínora sem coração, e realizar sua vingança.
Encontrou-o numa quinta-feira, 19 de Julho, o pseudo-escritor distraído em seu computador, escrevendo mais uma crônica sobre sua personagem desalentada.
O autor ainda nem havia dado título à crônica. Mas parecia rir. Ria da vida funesta com que fustigava o pobre coitado, personagem sua, criatura sua.
Aproximou-se por trás do autor, sem ser percebido. O Homem Invisível salivava vingança, execrando suor e raiva pelos poros.
Ergueu a faca, e antes que o autor terminasse a frase…
Um beco. Estado inerte. A neblina vasta e densa que envolve pensamentos adormecidos em outras outroras. É o estrangeiro que reside, entre o amontoado de carnes distorcidas, pele e espasmo. O que somos? O que fomos? De repente, a máscara cai. Pele ao vento. Aquele olhar no espelho é fome? ânsia? descontentamento? Deveria ser uma nota musical. Deveria ser o canto de um encanto rimado e ritmado. Mas parece ser ego ferido. O introspectivo. Apenas um negativo cifrão. O desenho no espelho é fosco. Linhas retas meio tortas. Parece você. Se reafirma você. Mas não rima com teu nome.
E você diz: “mas esse sou eu”. Ainda assim, não rima com teu nome.
Línguas e dedos afiados. Um pouco de mau humor e muita criatividade para desfilar ofensas contra colegas, igualmente inamistosos. São os nossos queridos autores desenleando seus ácidos comentários sobre escritores que estão (ou estavam) um pouco distante de figurar entre os seus prediletos.
Caiu-lhe os pesadelos como um manto sobre a vista fraca. Viu-se vaga, flores ao redor. Cheiro de vela. Cheiro de um tudo nada lhe dissecando a alma calejada. Levantou-se, sôfrega. Passos cuidadosos aqui e ali. 80 anos ou pouco mais lhe rasgando tecidos. Lacerando músculos. O sangue se esforçando – uma volta a mais. O ar voltando a passear pelos seus pulmões entregues.
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