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NATIMORTO – O RENASCIMENTO

Por que se levantar? Era o que a voz rouca de sua consciência conturbada e despedaçada lhe perguntava todas as manhãs. E quase sempre não havia respostas. E que resposta haveria de ser?

Ele preferia rolar na cama, enfiar a cabeça entre lençóis e travesseiros, e acreditar que um fulminante ataque do coração solucionaria todos os seus problemas. Miserável esperto!

Mas, às vezes, a mente dá voltas (suas revoltas) e uma brisa lá do mar parece repetir: É hoje! O grande dia!  Levante-se e se prepare para agarrar seu prêmio!

Assim mesmo. Com exclamações se multiplicando como pulgas. Fatalidades expostas em textos reflexivos. Por isso, nestas ocasiões, ele se levantava. O corpo arqueado, é verdade. Acostumado com tantos socos no estômago, parecia lhe assustar a ideia de simplesmente sorrir.

Por que infernos sorrir?

No primeiro dia de sua vida, foi assim. Foi ao banheiro, olhou para a privada, e pensou estar diante dum espelho. Daria para confundir, acreditem em mim. O café da manhã não desceu. Até tentou. Ele teve a impressão que o pedaço de pão chegou até a faringe, mas o desgraçado se recusou a ir além. Voltou veloz e furioso, com um pouco de suco gástrico ou qualquer porcaria que azedou sua boca antes de cuspir tudo na mesa.

Pensou em voltar para a cama. Se tivesse voltado, tudo teria sido diferente. Não teria nascido. Voltaria para o útero, onde se escondera durante os últimos 25 anos. Mas o mundo já estava em trabalho de parto. Não era a hora de renunciar aos seus apelos.

Sua história é longa, cansativa, e deprimente pra burro até certa altura. Então, resumindo:

Ele saiu na rua. Foi assaltado. Levou um tiro na barriga. Mas conseguiu dar alguns passos, correndo atrás do ladrão. Foi atropelado ao atravessar a rua. Quebrou as duas pernas. Foi socorrido. Direto para a UTI. Dias depois, acordou. Apaixonou-se pela enfermeira. Casaram-se. Montou uma banda de rock. Estudou sociologia. História. Psicologia. Gritou como um maluco embriagado ao dar seu primeiro voo de asa-delta.

E hoje passa os dias a ajudar jovens que ainda ouvem aquela voz rouca e despedaçada perguntando-lhes a cada manhã: Por que se levantar?


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