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Os antissociais I

— Alô?
— E aí?
— Fala, grande.
— Que tá fazendo?
— Nada. Debaixo das cobertas.
— Hum. Sei.
— E você?
— Na mesma.
— Um saco, hein!
— Pois é. Liguei pra isso.
— Isso o quê?
— Ah, sei lá. Esse tédio.
— Pra variar né?
— Vontade acabar com isso tudo.
— Isso tudo o quê?
— Com esse tédio, cara.
— Vá ler um livro.
— Outro?
— É, um saco!
— E como! Já foram três essa semana!
— Poxa.
— Tá a fim de sair?
— Nem. Pra onde?
— A festa da facul.
— Ah, nem vou. Tô debaixo das cobertas.
— Só sair daí.
— Nem. Só saio daqui amanhã cedo.
— Eu tô a fim de ir.
— Você vai?
— Não disse que vou. Disse que estou com vontade.
— Mas você vai?
— Ah, sei lá.
— Fazer o que lá, cara?
— Fazer o que aqui?
— Vá ler um livro.
— Você não se incomoda com isso?
— Isso o quê?
— Ficar dias e dias enfiado nesse quarto. Você é um ser humano ou uma ameba?
— Ó quem fala.
— É disso que estou falando.
— Eu não sou uma ameba.
— Amebas são mais sociáveis, isso sim.
— São?
— Devem ser. São mais populares que nós, pelo menos.
— Se são. Você vai?
— Pensando. Dá medo.
— E eu não sei?
— Vai ter muita gente estranha lá.
— E como! Você vai?
— Se você for, eu vou.
— Eu não vou.
— Por que não?
— Nem a pau. Muita gente. Gente estranha.
— A gente se enturma.
— Certeza?
— Bom, acho que não. Mas a gente tenta, pelo menos.
— A gente tentou ano passado, lembra?
— É.
— Não deu em nada.
— É.
— Os dois largadões lá no meio sem saber o que fazer.
— É.
— Olhando um para a cara do outro. No mesmo lugar durante duas horas.
— Se ao menos a gente soubesse dançar.
— E quem ia querer dançar com a gente?
— Pior. Fiascaço.
— E como!
— Melhor deixar essa ideia pra lá, né?
— Melhor mesmo.
— Mas, o que eu faço nessa porcaria de sábado?
— Ah, sei lá. Faça o mesmo que eu.
— OK.
Desligou, e foi ler um livro.
Um saco!

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