Tinha esvaído suas esperanças em homens que a trataram como aquilo que sempre procurara desmentir: sua qualidade estativa. Julgava-se humana. Capaz. Sentimentos e qualidades em cada poro. Mas eles a moldaram em figura estatuária, uma boneca feito de lixo. Uma alma triste e sua corrosiva hirteza. Trancou-se entre quatro paredes. Privou-se de luz, de vozes, de promessas. Fora convencida de que não fazia parte da raça humana. Construíra espaços, mas nunca os alcançara. Sonhos de concreto feitos com papel. Esperança de aço montada com areia do mar. Acima do peso, a fala lenta e pesada, as espinhas proliferando e deformando seu rosto. A vítima. Mais uma vítima. Mais um monstro criado pela sociedade exigente. A guerra deformou a poetisa. E a garota que um dia já sonhara, agora suava e tremia, pensamentos mórbidos. De lúdica a voraz. Seu amor não correspondido regurgitado num ódio impulsivo. Se ela era o verme, então, estava na hora de devorar o intestino dos funestos mortais.
Como se constrói um monstro? Zombaria e desprezo. Não se precisa muito mais do que isso. Ela, o monstro. Caminhava na escuridão. O olhar focado no nada. Os olhos vazios e cheios de rancor. Suor por todo seu corpo. A pele rígida e pálida pulverizada em textos reflexivos. Não lhe era natural. Fora construída. A falta de amor fora substituída pela ânsia de estímulos. Desta feita, estímulos de um vermelho vivo.
Uma alma, um soldado. Pesticida em suas veias. E finalmente, um vulto na escuridão. Dois, aliás. Risadas. Há quanto tempo ela não ria, verdadeiramente? Sorriso esporádicos e obrigatórios sempre lhe foram uma insistência ácida. Agora, aqueles sons lhe pareciam um rogo maldito, preces infortunosas. Uma gargalhada. Após um grito. Um flash viscoso saltando de uma garganta entreaberta. Uma queda lenta. Um tombar surdo. E o outro vulto, estático. O espanto lhe paralisando os membros. Um filete de luz solitária de uma janela qualquer, revelou-lhe o rosto. Um jovem, o olhar espantado não escondia a embriaguez. Um vencedor. Aqueles que chegam ao mundo num berço de ouro, e o que não conquistam por herança, o conseguem com seu corpo e fala macia. Era perceptível sua dúvida: gritava? corria? ou esperava sua vez? No hesitar, foi-lhe imposta a terceira opção. A lâmina em sua mão reluziu antes de abrir a garganta do belo jovem, e pode divisar, por um instante, seu esôfago envolvido pelos nervos recorrentes. O sangue ganhou o ar saltando vigoroso do sulco traqueoesofágico. Decorou-lhe a mão inerte. Ela não tremia. Fora bem construída. Detalhes cuidadosamente montados. Seus criadores deveriam se sentir orgulhosos.
Continuou a caminhar pela escuridão. Haveria outros pelo caminho. O monstro ansiava pelo encontro com cada um deles. Até que fosse parada. Se fosse parada. A esta altura, já se sentia imortal.
As noites eternas lhe seriam pouco, pensou.