Cuidado com a inocente esposa dando-lhe um beijo de bom dia. Pode ser o mendigo da praça!
“Meu amor, você está estressado. Precisa de férias”. A esposa do dr. Capgras vinha dizendo isso com certa regularidade nos últimos tempos. Era verdade. Mexer com a mente de outros é bastante estressante, e após um longo período sem férias, o doutor começou a sentir os efeitos da rotina acelerada. Insônia, estresse, irritabilidade. Não parecia ser a mesma pessoa. A esposa tinha razão. Bem, pelo menos costumava ter. Até o dia em que ele desconfiou que sua esposa, na verdade, era um impostor.
Ele não podia determinar como, porquê e quando. Mas, certo dia, descobriu que sua verdadeira esposa não estava mais dividindo a cama com ele. A pessoa que agora lhe preparava as refeições, que conversava sobre seu dia de trabalho e que o chamava de “meu amor” era uma impostora.
O que teria acontecido com sua verdadeira mulher? Teria sido sequestrada? Morta? Ele não sabia. Mas em vez de dar escândalo, de pressionar a impostora para revelar sua identidade, o dr. Capgras decidiu entrar no jogo até descobrir toda a verdade. Talvez estivesse sendo vítima de um complô de grandes proporções.
Por isso, naquela manhã, quando saiu para mais um dia de trabalho na clínica, ele sorriu bobamente com o afago e o beijo da falsa esposa, e devolveu um “eu também te amo” para ela.
No caminho para a clínica, arquitetou o que faria para desmascarar a impostora. Precisaria de provas. Seria bom instalar uma câmera em casa para acompanhar os movimentos da “estranha”. E talvez contratasse um detetive particular para seguir seus passos quando ela estivesse fora de casa.
Naquela manhã, o dr. Capgras tinha apenas dois pacientes para atender. O que lhe daria tempo para concretizar suas estratégias de espionagem e descobrir o paradeiro de sua verdadeira esposa.
No entanto, ao entrar na clínica, teve uma terrível surpresa que o desconcertou totalmente.
Ali estavam seus dois pacientes, à sua espera: o sr. Fregoli e o sr. Cotard. No entanto, a constatação abismal que o doutor teve é que aqueles dois homens não eram quem aparentavam ser. Dr. Capgras tinha uma aguçada visão e podia conhecer uma personalidade somente observando o olhar. E como já conhecia as duas figuras, inclusive seus traumas e manias, o dr. Capgras podia afirmar categoricamente que aqueles dois homens ali, na sua recepção, eram impostores.
O que estava acontecendo? Quem eram essas pessoas que se faziam passar por conhecidos seus? Qual o interesse deles em enganá-lo?
Em pânico, acabou verbalizando seus pensamentos, aos gritos:
– O que querem de mim? O que querem de mim?
O homem que se fazia passar pelo sr. Fregoli tentou mudar o rumo da conversa, chamando-o de Gertrudes, abrindo os braços fingindo desespero.
– O que é isso? – continuou o falso sr. Fregoli, tentando disfarçar. – Gertrudes, o que você fez? Você se clonou? Por que isso, Gertrudes? Por quê? – Ele começava a chorar. Bom ator!
O doutor Capgras interrompeu a cena:
– Cale a boca. Você não me engana. Aliás – apontou para o calado sr. Cotard – vocês não enganam. Eu quero saber, e quero saber agora: onde está minha esposa, e onde estão o sr. Fregoli e o sr. Cotard?
– Gertrudes?
– Ao inferno com sua Gertrudes – gritou o doutor, o rosto rubro de raiva. – Se não me disserem onde eles estão e o que querem de mim, vou chamar a polícia. Quem são vocês? – Seus gritos devem ter ecoado por todo o quarteirão: – Quem são vocês????
Dois meses depois…
Os três homens estavam sentados para a terapia em grupo, no hospital psiquiátrico. Estavam em completo silêncio, apenas trocando alguns olhares repletos de ódio, desprezo e desconfiança.
Quando o doutor Samuel chegou, foi logo perguntando, com o típico sorriso amistoso:
– Como estão os meus rapazes?
O sr. Cotard deu uma risadinha:
– Como acha? Os vermes não deixaram muita coisa.
O dr. Capgras, agora um paciente, examinou o médico. Bastante ameaçador, perguntou:
– Onde está o doutor Samuel? Quem é você?
Ao que o sr. Fregoli deu um pulo da cadeira, correu em direção ao doutor Samuel e deu-lhe um abraço caloroso:
– Gertrudes? Graças a Deus!
FIM
SOBRE O AUTOR
Juliano Martinz é escritor e criador do site Literatura Corrosiva.