O relógio é um deus que não tolera ser ignorado. E ama torturar os infiéis com seus ponteiros afiados. Por isso, pense na hora certa, ame e odeie na hora marcada, e viva cronometradamente
Chegou ao escritório pontualmente às 8 da manhã, como todos os dias. Ocupando o topo da hierarquia da liderança, permitir que o ponteiro dos seus segundos contassem 60 batidas extras, era um luxo ao qual ele não poderia se submeter.
Cumprimentou a secretária às 8 da manhã. Dona Madalena e aquele mesmo sorriso congelado de todas as manhãs. Estando vários degraus abaixo na hierarquia da liderança, ela sabia que não poderia chegar depois que os confiantes passos do senhor Walmor adentrassem o escritório. Plena conhecedora do autoritarismo daquele homem, jamais ousou este tipo de desafio.
Ela lhe passou alguns documentos, correspondências, recados e o jornal da manhã. Ele caminhou até sua sala. Quando o relógio marcou 8h01, ele se sentava em sua poltrona reclinável marrom, revestida com couro ecológico.
Uma olhada rápida pelas correspondências. A maioria foi deixada de lado, já que não justificavam ganhar sua atenção… pelo menos não às 8h02 da manhã de uma segunda-feira que prometia mais algumas vitórias para aquele vencedor.
Mas uma das correspondências chamou-lhe a atenção. Estava endereçada a ele: Walmor Cláudio Junkes. Mas foram dois detalhes que capturaram a atenção dos seus olhos vívidos: após seu nome, estava escrito “o Porco”. E, logo abaixo, dizia: “Abra antes das 8h05”.
Os olhos vívidos, como primeira e automática reação, repousaram no relógio: 8h03.
“Boa estratégia de marketing”, pensou.
Curioso, abriu o envelope. Havia um pequeno papel e uma única frase. Os dizeres eram confusos e, ao mesmo tempo, sinistros:
“Uma bala vai penetrar seu corpo às 8h04”
Os olhos vívidos congelaram. As mãos vacilantes iniciaram uma assustadora dança tremulante, como se possuísse alguma doença generalizada do sistema neuromuscular.
Poderia ser uma brincadeira, é verdade. Mas para um homem com um histórico de vida como Walmor Cláudio Junkes, nunca se poderia ignorar uma ameaça como aquela. Por isso, saber quem deixou a correspondência era o primeiro passo a tomar.
Levou a mão trêmula ao telefone para chamar dona Madalena. Foi quando percebeu que a secretária já estava de pé em sua frente, em um silêncio estatuário.
Ele a encarou. Mostrou o bilhete misterioso.
– Dona Madalena… Quem deixou isto?
Dona Madalena não respondeu. Ela conferiu o relógio e mostrou-lhe os dentes em um sinistro sorriso gélido.
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Seu trabalho é excelente, também sou cronista e começo a acompanhar seu trabalho, muito bom 👏👏
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Obrigado, Shirlei. Será sempre bem-vinda!
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Dei uma pequena pausa nas consultas da aula de metodologia realizada neste momento em uma laboratório de informática para ler uma crônica deste site. Resultado: Uma super experiência literária. Ótimo texto!
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Yoda, sabe muito….
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Gostei do seu texto. Bom realmente!
Estou aqui tentando escrever um livro, e estou literalmente no inferno…achei legal seu blog.
abraços
myrian
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Nessas horas, deixo Yoda falar por mim: “Do. Or do not. There is no try”. ;)
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Me levou a pensar, quantas outras Madalenas gostariam de fazer o mesmo.
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Gostei muito da forma como constrói a narrativa para o desfecho surpreendente e não declarado, mas, ao mesmo tempo, inexorável. Por algum motivo não achei legal somente a parte que diz “… segunda-feira que prometia mais algumas vitórias para aquele vencedor”. Talvez porque já estava claro o perfil do personagem, mas entendo a ênfase a nesta declaração. Parabéns, continuarei lendo outras crônicas.