Numa certa manhã, fria como o inferno, como costumava dizer, julgou-se capaz de voar. Absoluto em suas ideias, vagou da cama à janela com passos lânguidos, olhar sedento, a medida que o véu da poluição contornava a silhueta da cidade podre que aprendeu a odiar.
Lá embaixo, dez andares abaixo, seres fétidos se arrastavam como ele, distraídos em suas vidinhas vazias, contornando avenidas cancerígenas, serpenteando ruas densas mórbidas, trêmulas elas, ruas, avenidas, pessoas. Em outros dias, escreveria suas crônicas pequenas sobre a depressão, a solidão, sobre o eco amortecido retumbando nas paredes emboloradas. Em outros dias, pensaria em mil maneiras de fazer com que o sangue gélido em suas veias, resolvesse esticar as pernas e correr.
A última vez que foi visto, sobrevoava Paris, os braços abertos, um sorriso largo no rosto, e um grito de êxtase de quem aprendeu a ser bom por completo.
(Crédito Foto: Abdulaziz Almansour)