Era um homem sem sonhos. Noites desprovidas de calor, paixão, intensidade. Apenas um dormir descolorido, descompassado. Durante o dia, o Nada lhe acariciava. Como uma companhia entediante que não se afasta. Caminhava horas e horas pelo asfalto, o calor retumbando sua testa engelhada. Esperava a noite, esperanças. Esperava sonhar. Acreditar em elementos desgovernados numa mente livre e criativa. Acreditar ser outra pessoa, outros planos, outros toques. Mas, no dia seguinte, apenas o nada. Nenhuma lembrança. Nenhum sonho.
Certo dia, conheceu a garota que só tinha pesadelos. Rapaz sem sonhos conhece menina de sonhos aflitivos. Ele, caminhando distante. Ela, apavorada. Como se tudo o que se movesse fosse ganhar a forma do monstro do último pesadelo, noite passada.
Do contato, nasceu a simpatia. Desta, a dependência. Desta última, o amor. Ele lhe acordava na hora dos pesadelos mais terríveis. Ela preenchia as noites dele com o relato do que sonhara. Noites amenizadas para ela, noites intensificadas para ele.
Eram caminhos diferentes que se cruzavam, e se alimentavam. Tentavam manter-se, por instantes eternos, na mesma direção. E até poderiam caminhar pela mesma estrada, mas estavam cientes de que nunca pegariam carona no mesmo caminhão.