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A RAINHA DIGITAL

Na vida real, uma garota tímida de poucos amigos. Daquelas que fazem dos cantos, seu melhor confidente. Nas noites, a transmutação. Longe dos assustadores ruídos das multidões, transformava-se. Na verdade, não mudava coisa alguma. Continuava a mesma garota de sonhos tolhidos. Mas assumia seu posicionamento virtual, onde era descolada, engraçada, cheia de argumentos. Era mais que ela. Era ELA. Curvem-se todos. A Rainha chegou.

Durava pouco, é verdade. Na manhã seguinte, voltava a se esconder dentro de si. Toda uma potencialidade inibida por um histórico de desgosto. Mas havia lido em algum lugar (onde lera, afinal?), algo como: “Se você pode, então você é. E se você já é, por que age como se não fosse?”… Algumas “sabedorias byteanas” não são lá muito práticas. Mas ela achou que esta valia a pena, e decidiu aplicar o conselho.

Na manhã seguinte, era um avatar virtual caminhando pelo colégio. A descolada das redes sociais. A confiante das baladas virtuais. Curvem-se, a Rainha chegou. E como regra no universo digital, distribuía sorrisos. Nenhum instante mais com sua costumeira cara de búfalo mal-humorado. Somente sorrisos esparramados em cada centímetro da boca, ainda que forçados, ainda que quase uma contração espasmódica.

Levava na mão uma foto. A foto de um cachorro fofinho, e quando encontrava um conhecido, mostrava o “fofuxo” e emendava:

– Bom diaaaaa! Que seu dia seja maravilhoso, repleto de coisas boas!

Quando queria variar o discurso, experimentava:

– Ah, sorria! Hoje é sexta-feira! – Na verdade, era quarta. Mas ninguém comemora quartas-feiras nas redes sociais.

Se lhe davam as costas, ela cutucava – cutucadas físicas conseguem ser mais irritantes que virtuais. Inspirada, apelou. Até conseguiu uma caneta marca-texto, e partiu para cima das pessoas de seu círculo mais próximo, tentando marcá-las. Entrava nas conversas, e se alguém dissesse algo interessante, garantia sem delongas:

– Curti. Vou compartilhar.

Novidades, histórias engraçadas, protestos – tudo cuidadosamente replicado entre sua rede de contatos.

Deu certo. Os colegas de turma gostaram das mudanças. Abriram as portas para que a Rainha entrasse. Em um único dia, conheceu vários colegas novos. E descobriu novas de colegas antigos.

Em sua casa, a noite, acessou sua rede social, mas ficou profundamente entediada. Cansada do digital. Cansada daquela luz fosca do monitor lhe esbofeteando. Queria matéria, vozes, cheiros. Queria fugir de tudo aquilo, daquela prisão. Decidiu ligar para alguns amigos e convidá-los para sair… e respirar.

Antes de sair, porém, tomou uma decisão, e acessou as configurações de sua conta na rede social.

A partir daquele momento, quando um contato seu acessava sua página, era presenteado com uma singela mensagem:

“ESTA CONTA FOI DESATIVADA”


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