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LIGAÇÃO CONTRA O MARASMO

Numa dessas tardes em que penso “Algo diferente poderia acontecer hoje”, um marasmo estocando sua adaga no meu estômago repetidas vezes e, de repente, algo acontece.

O celular toca. Número desconhecido. Um olhar lânguido e uma falta de vontade atender. Hesito. Deixo pra lá. Mas insistências insistentes que insistem insistir me obrigam a atender.

– Hmfugh – Eu grunho quando não quero falar.

– Você tá aí?

– Hã?

– Cadê você? Tá aí?

– Aqui? Bem, estou.

– O que você quer?

– Como assim?

– Por que me ligou?

– Mas quem me ligou foi você.

– Eu estou retornando a ligação.

– Quem está falando?

– A Bruna.

– Eu te liguei? Eu não conheço nenhuma Bruna.

– Você não me ligou ontem?

– Não.

– Desculpa, foi engano.

E desligou. Fico olhando o celular, com aquela cara imbecil de quem se pergunta: “Isso realmente aconteceu?”, até que esqueço o que houve, e volto para mais um capítulo da sessão marasmo.

Meia hora depois, quase babando, o tédio de volta, sádico e sanguinário, e o celular toca novamente. Mesmo toque. Mesmo número. Mas, outra tensão.

– O que foi agora? – Notou? Não grunho dessa vez.

– Cadê você? Tô aqui te esperando.

– Aqui onde?

– Na Padoka.

Eu conheço a Padoka. Um quarteirão daqui. Loooonge!

– Você quer falar com quem, menina?

– Para de zoar, cara. Vem logo.

– Mas… eu… quem…?

– Cara, vem logo, pô. Tô te esperando. A cerveja tá esquentando.

– Mas…

– Tenho uma bomba pra te contar. Aquele babado sobre o Henrique.

– Que babado? Que Henrique?

– Ai, cara chato! Vem logo, pô.

– Mas…

Click.

– Bruna! Brunaaaaa! Inferno de menina.

Na hora do “inferno de menina” meu celular foi arremessado contra a parede – essas manias imbecis de punir quem não tem nada a ver com o “babado”.

Recolho o celular, recoloco a bateria, resmungando num ensaio o que pretendo dizer para ela. Vou ligar e esclarecer de uma vez por todas que eu não sou quem ela pensa que sou. Não conheço Bruna, muito menos Henrique, e não sou um cara chato.

Ou sou?

Acesso as últimas ligações recebidas, e ligo para Bruna. Ela atende:

–  Hmfugh.

Agora é a hora de discorrer minhas palavras. Mas, ao invés disso, estaco-me. Não digo nada. Apenas tocado, quase hipnotizado.

Ela se impacienta.

– Que foi? Vai dizer que não vem?

Do nada, me identifico com Bruna. O charme na grunhidela dela ao atender o telefone, me comove. De repente, meu marasmo se torna o nosso marasmo. Unidos pela mesma apatia. Ligados pela mesma estagnação.

Decidido, levanto-me num pulo, e arremato entre sorrisos:

– Bruninha, pode pedir outra cerveja que já tô chegando.

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