No seu intransigível medo de amar, declarou-se um coração de pedra. Vítima de 3 relacionamentos catastróficos – no último, descobrira que o namorado era casado e pai de dois filhos – assumiu seu desastre no campo do amor. Embora tivesse o sonho de se casar antes dos 30 – sonho este tão distante quanto o desejo de passar as férias em Paris -, achava que a segurança não residia num relacionamento, e sim, na evitada solidão que, no final das contas, não era tão assustadora assim. Sozinha, ela manteria seu forte a postos, protegendo-a dos ataques dos inimigos insensíveis – os homens.
Começou a fazer cara feia para todas as pessoas com quem cruzava: vizinhos, colegas de trabalho, colegas de faculdade. Ensaiava caras, caretas e demonstrações de desafeto no espelho. Desinteresse frívolo por tudo aquilo que os homens lhe diziam. Os rapazes do trabalho, quando lhe contavam as divertidas aventuras dos finais de semana, eram socados no estômago por um: “E daí, moleque!?” daqueles de gelar a espinha. Com os amigos da faculdade, nem um “oi” seco e ácido lhes reservava. Quando convidada para sair, sempre tinha respostas prontas (daquelas ensaiadas na frente no espelho, fazendo cara de psicótica segundos antes de degolar a vítima): “Olha pra mim, moleque, e vê se tô afim da sua companhia”. Resolvia.
E resolveu. Dias após, muralha convicta, não era mais perseguida pelos insistentes cortejadores baratos (muito menos pelos eficientes). As paqueras escassearam a ponto de zerarem. Cumprimentos desapareceram. Olhares se tornaram raros – exceto os de medo. Até as amigas não gostaram das mudanças, e resolveram se afastar. Tempo depois, sua vida se resumia a trabalho, faculdade e um quarto mórbido e ingrato.
O coração de pedra se protegia das estocadas de amores de dois gumes. Mas não estava exatamente preparado para uma vida vagante por um chão árido, um vento quente, seco e agressivo lhe rasgando a pele sensível, que não era nada petrífica como o coração. Em pouco tempo, sentia falta de companhia, dos braços e abraços, ainda que temporários, devido às inconstâncias e vicissitudes de uma fórmula vagabunda chamada amor. Talvez estivesse certo aquele filme em que o ator principal dizia que não devíamos fugir dos problemas, porque não existe vida sem problemas. Talvez fosse hora de sair daquele quarto vazio, tentar amar e ser amada, e que viessem feridas e sofrimento. Afinal, morrer sem cicatriz é sinal de que a vida não foi aproveitada.
No dia seguinte, no elevador, o vizinho cauteloso, já vítima de suas “patadas” soltou um bom dia prudente e se encolheu, esperando ser mandado aos quintos. Ao que ela respondeu, um sorriso arrebatador cintilando na boca:
– Bom dia? Hummm… Depende. O que você está disposto a fazer para tornar meu dia bom?
Casaram-se seis meses depois.