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Desconfiança Mata

A desconfiança não lhe soava como um defeito; para ele, era sua principal arma. Na verdade, a defesa perfeita, inexpugnável, por meio da qual garantiria sua sobrevivência em um mundo repleto de traição.

Por isso, desde pequeno, sempre carregara a desconfiança em seu coldre, e a sacava de modo rápido e impiedoso, tão somente se sentisse ameaçado. Do seu ponto de vista, as pessoas sempre estavam com segundas (e péssimas) intenções. Desconfiava de cada gesto, cada palavra, cada olhar. Quando ainda era um pequenino garoto, nunca comia coisa alguma do que a babá lhe servia – deve estar envenenado, pensava. Perdeu as contas de quantas sopas e aveias eliminou privada abaixo. Por conta disso, passava fome, é verdade, mas melhor do que se contorcer e espumar no chão do quarto até a morte, antes que os pais chegassem e providenciassem socorro. Isso se eles não fossem cúmplices da babá.

Aquilo que poderia ser apenas uma estranha mania de criança, continuou como uma fiel companheira por toda a vida. Se dois conhecidos conversavam ao longe e lhe lançavam um olhar: estão falando da minha vida. Se dois estranhos na mesma situação: estão pensando em me sequestrar. Se alguém o olhava com seriedade, estava encarando-o. Se sorria, tirando um barato. Se as pessoas simplesmente não olhassem para ele, devia existir alguma razão para ignorá-lo de tal forma.

Não cedeu aos galanteios da garota mais bonita da faculdade porque com certeza, ela e toda a turma, estavam tirando onda com ele. Não foi buscar a moto que ganhou no sorteio da concessionária porque devia ser pegadinha. E nunca aceitou um pedido de desculpas porque “gente falsa cresce que nem capim em terreno vazio”.

Não tinha paz – e que paz, afinal? Alguém sempre estava falando mal de sua vida, tramando algo contra ele, planejando levá-lo ao fundo do poço.

Certo dia, no banco onde trabalhava, Zé Pedro, seu melhor conhecido (evidentemente, não tinha amigos) levou-o até um canto da sala e sussurrou:

– Rapaz, ouvi dizer que você vai ser promovido.

– Promovido? Eu?

– Quem diria hein Tenório!? Gerente do banco! Parabéns, você merece.

E saiu de perto. Assim, sem mais nem menos.

Desconfiou de imediato. Aquilo não estava cheirando bem. O Zé Pedro queria ser gerente, todos sabiam disso. Ele não ficaria distribuindo sorrisinhos e parabéns se visse outro assumindo o cargo.

Estavam armando pra cima dele, isso era inegável. O que queriam afinal? Talvez, que ele já começasse a agir como chefe, reprimindo todos e, por seu comportamento agressivo, ganhasse as contas. Ou melhor: que ele ficasse convicto de que seria promovido e como não existia promoção alguma, ia tomar satisfação com os superiores. Resultado: ganharia as contas pela petulância. Ou talvez existisse algum outro plano maquiavélico por trás daquela conversinha mole. Eram dezenas de funcionários no banco. Todos unidos em derrubá-lo. Um conluio para desfrutar do prazer de vê-lo ser humilhado e despedido.

Mas isso jamais aconteceria. Ele não daria esse prazer para aquele bando de carniceiros. Orgulhoso irredutível, sairia por cima, de queixo erguido.

No dia seguinte, escreveu uma carta para os superiores e pediu demissão.

Os superiores, abismados e ao mesmo tempo decepcionados com a atitude dele, não tiveram outra escolha senão promover o Zé Pedro à gerente.

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