Não tinha vícios, exceto a televisão, o cigarro e a bebida. Horas e horas esparramado em seu sofá, diante da TV soberana, devorando batata frita e hambúrguer, cercado por onipresentes latas de cerveja, cheias e vazias, as pernas abertas dando espaço para a banha protuberante que lhe escapava pela cueca úmida, e pareciam amalgamar com o tecido desgastado do sofá.
Não era um antissocial, exceto pelo fato de não conversar com uma pessoa há mais de uma semana, já que os últimos dias haviam sido de uma intensa agitação na novela das 8, de muita emoção no seu reality show preferido, muita criatividade nos programas de auditório dominicais – sem falar na fase decisiva do campeonato de futebol da primeira, segunda e terceira divisão, cujos jogos, ele não perdia nenhum.
Não era um cara solitário, muito embora nunca tivesse namorado a sério, sendo abandonado pelas paqueras quando a repulsa assumia o controle, diante do seu incorrigível comportamento anti-higiênico. Não que fosse insensível, mas achava sua vida tão perfeitamente completa e emocionante que a inserção de novos personagens só tornaria a peça cansativa.
Não podia ser considerado um vagabundo, apesar de viver às custas da aposentadoria do pai falecido e da mãe que fazia questão de viver sozinha, além do aluguel que recebia do apartamento da família. Segundo ele, sua função era fazer a máquina do capitalismo girar. E fazia isso com um prazer assustadoramente relevante. Os parentes costumavam reclamar, até que ele desligou o telefone e não atendeu mais a porta – eles sempre iam ao seu apartamento nas melhores piadas do sitcom de sábado a noite.
Não era exatamente um ser morto, exceto pelo fato de já ter infartado muito antes desta crônica começar a ser escrita, e até agora, ainda não ter sido descoberto pelos vizinhos, já que o odor putrefato vindo daquele apartamento era algo que todos já estavam acostumados.