Desde criança, um estranho hábito: colecionar crônicas. Quando criança, eu pensava ser sonhos. Assim os descrevia: “eu coleciono sonhos”. Uma época onde as letras ainda não haviam se convertido em bits. Na biblioteca da escola, na pública, na particular de casa. Cópias a mão. Gostava de crônicas curtas. Fácil de ler. Fácil de copiar. O vício começou com Fernando Sabino e Luís Fernando Veríssimo. Nunca explorava estrangeiros. Queria contemplar a nação até o enfado. Queria. Precisava. Mas como este dia nunca chegou, viajei Rubem Braga e Nelson Rodrigues, conquistei Carlos Heitor Cony e Mario Prata.
Na era da internet, percebi que jamais deixaria as fronteiras literárias do país. Com tempo, críticas e pesquisas, a coleção aumentou. Já não importava se crônicas pequenas ou não. O CTRL+C e o CTRL+V não se incomodavam. A LER ganhava força.
Deixei os mestres de lado. Havia preciosidades anônimas perdidas num universo em expansão, novidades tantas ainda para perscrutar. Das crônicas aos textos reflexivos. Dos contos às poesias. Porta em porta, entrando sem bater. Às vezes, porta trancada, um chute certeiro, porta arrombada. Ainda assim, seja bem-vindo.
Foi assim que conheci Emily Mercuri, a senhorita John Fante. Estagnei-me ante: “A tua voz faz sombra nas minhas mãos e minhas mãos, sem a luz do Sol, não alcançam movimento”. Al Reiffer socou meu estômago. “O Horror veio e jantou comigo”. E se não bastasse, o ilustre convidado ainda sorri ao perguntar: “Então amar já não está mais na moda?”. Inveja saudável! Se é que para inveja isso seja possível. E ainda: “Sol, pra que acordar tanta gente, para espalhar dos seus olhares, aqueles restos hospitalares…?” Um turbilhão Al Reiffer como todos alguém.
Assim comecei a cronicar. Literatura corrosiva, poemas ácidos. Sempre que a realidade me esbofeteia a sanidade. Quando acuado, meu corpo espancado contra as cordas, entre espasmos e sangue, uma reação automática, um gancho de esquerda. Assim reinvento meu semblante, antes que as sombras dominem o olhar, e me façam repensar a razão da esperança. Sorrio e beijo uma cicatriz. Componho, e reescrevo teu nome. Claudia e seu La Sfârşitul, me ensina sobre o tempo. Agora entendo, Claudia, a inutilidade dos relógios se “o tempo sempre marca horas depois que o ônibus já passou”.
Quando invade o tédio, e com ele a raiva, embriago-me Gisele Baciano. Seus poemas, sua simplicidade poética, como que diz: a vida não precisa ser tão complicada quanto você a descreve. Imperturbável mão, me acomoda.
Quando o desatino chega por trás, e sussurra em meus ouvidos: Você é muito estranho, garoto!, soco o espelho, destruo o abismo inevitável, e recito, minha maior descoberta: “Fácil perder-se por entre seus avessos, seus anseios tortos, seus dilemas frágeis. fácil perder-se. labiríntica. errática. fácil esquecê-la”. Dani Santos, o gosto que não chegou a ser memória.
Anônimos como eu. Valentes em minha batalha. Me socorrem quando estou quase à lona. Os olhos inchados ainda os divisam. Arqueado, visão turva, quase trêmulo. Quem são?, balbucio, saliva e sangue. Algumas palavras, não precisam de muito, e levam meu Horror a nocaute.
Saudações, anônimos amigos!