O mestre e seu discípulo faziam uma peregrinação em um deserto. Estavam mergulhados em profundo silêncio. Procuravam alcançar a supremacia do conhecimento. O isolamento da sociedade, das províncias abarrotadas de seres gananciosos e imorais, o isolamento do pecado e das distrações materiais.
Não tinham um destino específico; buscavam apenas o silêncio onde a sabedoria deflora. O discípulo esperava revelações e, quem sabe, a inspiração para escrever um livro que revolucionaria a literatura..
O mestre, homem muito vivido (boatos corriam de que o velho tinha quase duzentos anos), por trás da barba volumosa, ostentava uma expressão serena e absorta. O discípulo, que era um tanto quanto agitado, vez por outra, olhava para o mestre abstraído e interrompia sua concentração:
– Mestre, estou com fome. E não há nada nesse deserto para comermos.
Sem fazer um só movimento com a cabeça, nem um discreto piscar de olhos, o mestre dizia:
– O conhecimento vai lhe saciar.
E seguiam adiante.
Cruzavam morros e montanhas, valas e vales, desertos e ermos. O discípulo já caminhava com dificuldades. O mestre, porém, parecia se alimentar de oxigênio – não havia um resquício sequer de cansaço em sua expressão, e seu corpo mantinha-se ereto como quando iniciaram a longa caminhada.
O discípulo, não ouvindo a voz da sabedoria, mas apenas o som grotesco provindo de suas entranhas esfomeadas, clamava:
– Mestre, precisamos encontrar algo para comer.
O mestre lhe encarou com desfavor (era a primeira vez nas últimas quarenta e oito horas que ele mexia o pescoço):
– Você não compreendeu a profundidade da lição, não é? Não dizia o sábio que nem só de pão vive o homem?
– Mas, mestre, a minha barriga…
– Minhas palavras deveriam ecoar em sua mente, tão recentes que ainda são, discípulo estúpido: o conhecimento vai lhe saciar. E isto basta!
“Conhecimento saciar”. Que bobagem! Quanto mais o tempo passava, quanto mais ele ouvia aquela batalha de gases no vácuo do seu estômago, menos o discípulo conseguia pensar. Parecia que a peregrinação estava tendo um efeito contrário.
Algumas horas depois (já sofrendo de alucinações), o discípulo olhou para seu mestre com os olhos iluminados. Seus olhos brilhavam estranhamente. Sua boca salivava.
Neste momento, o discípulo teve a certeza irrefutável de que atingira o ápice da busca da sabedoria. Com o corpo e a razão amortecidos pela fome, o discípulo viu no mestre a mais pura e ímpar concentração de conhecimento existente no universo.
Ele se lembrou da frase do mestre: “o conhecimento vai lhe saciar” e fez sua interpretação particular.
Em seguida, o discípulo devorou seu mestre.
MORAL DA HISTÓRIA: Ofenda a honra de um homem, mas jamais brinque com seu estômago.