Cuidado com o inocente mendigo na praça. Pode ser sua esposa!
Sr. Fregoli chegou à clínica psiquiátrica pouco antes das nove da manhã. Seu horário estava marcado para as dez, mas ele sempre preferia sair de casa mais cedo. Detestava a ideia de chegar atrasado a qualquer compromisso. Assim, era melhor sentar e esperar do que precisar fazer uma cara boçal e dizer com um sorrisinho amarelo: “Desculpe, acabei me atrasando”.
Hoje seria a segunda sessão. E ele estava ali contra sua vontade. Mas a esposa pedira insistentemente. Na verdade, ela mandara. Na casa do sr. Fregoli, quem dava as cartas era a esposa. Franzino, ele precisava se cuidar. Sua esposa era mais alta do que ele, e tinha o dobro do seu peso. Um tapa dela bem colocado na tábua do queixo, e já era.
O que era notadamente injusto tinha a ver com a razão dele estar ali: o fato de ser capaz de ver uma verdade que todos desconsideravam. Sua esposa tinha um dom de se disfarçar. Ela era capaz de alterar sua aparência, até mesmo seu gênero. E fazia isso com uma frequência perturbadora. Ela queria saber de todos os passos do sr. Fregoli e não media esforços para isso. Seguia-o constantemente, mas sempre disfarçada. Era capaz de se disfarçar de leiteiro, banqueiro, mendigo da praça da igreja, e às vezes até assumia a forma do sogro de Fregoli, um homem baixo e magro como ele.
Mas a esposa negava tudo, enfaticamente. E se o sr. Fregoli insistisse, corria o risco de apanhar. Por isso, quando ela disse que ele tinha algum distúrbio psicológico e que precisava de ajuda médica, ele cedeu. Somente o parecer de um psiquiatra poderia convencer a esposa disso. E esta era a razão de estar ali na clínica, pela segunda vez.
Estava olhando desinteressadamente para uma revista, quando um estranho homem entrou. Ele rastejava os pés, e parecia respirar com dificuldade. Sr. Fregoli o examinou com atenção. Havia algo de familiar ali que ele não pode precisar. Mas, de certa forma, ele sabia que conhecia aquele homem de algum lugar.
Na recepção, o paciente recém-chegado disse que tinha hora marcada. A secretária perguntou seu nome e ele disse:
– Cotard.
Cotard? Cotard? Não, o nome não era familiar. Mas a aparência, sim.
A secretária pediu para o homem aguardar. E exatamente quando o moribundo se sentou em sua frente, o sr. Fregoli percebeu tudo. O tal Cotard era, na verdade, sua esposa! Disfarçada, evidentemente. Aquela maluca psicótica! Fregoli deu um sorriso de escárnio, inclinou-se e disse baixinho:
– Que papelão, hein Gertrudes! Que papelão!
Gertrudes, disfarçada, fez cara de quem não entendeu. Ela sempre fazia isso. E invariavelmente, ainda com aquela cara de sonsa, perguntava “como?”.
– Como?
Bingo!
– Gertrudes, eu não te disse um milhão de vezes que ia vir? Por que é tão difícil acreditar no seu marido?
Gertrudes ficou em silêncio, a boca se movendo involuntariamente, como se procurasse as palavras, mas sem sucesso. Era sempre assim. Sempre que era desmascarada, ela se perdia toda e não sabia o que dizer.
Sr. Fregoli fez sinal de desdém com as mãos e voltou para sua revista.
Gertrudes se levantou e, com os passos vacilantes, veio até seu lado.
– Do que me chamou?
– Gertrudes, faz o favor, né?
– Gertrudes? – Ela pensou um pouco. – Sua esposa?
– Aham, e nem adianta negar. Você não me engana.
– Tem certeza de que não está confundindo as coisas, parceiro?
– Gertrudes, faz o favor, né?
– Ok, ok. Então, apenas me responda uma coisa: sua esposa está viva?
– Pergunta idiota.
– “Idiota” porque está viva ou porque está morta?
– Vamos parar com a cena?
– Responda! – gritou.
– Viva, viva – disse, erguendo a voz. – Vivinha.
Ela pensou um pouco, se inclinou até o ouvido do Sr. Fregoli e sussurrou:
– Então, senhor meu marido, como posso ser sua esposa se estou morto há mais de um mês?
Parte 2 – SR. COTARD
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