Corrosiva

Crônicas corrosivas e gestos de amor

Antiamor

Certo dia, você encontra o amor de sua vida. Apesar de personalidades tão diferentes, você está convencido de que é o amor verdadeiro. O final poderia ser belo e feliz. Mas você definitivamente não contava com a presença DELA…

O vírus não pensava em nada enquanto se transferia de um computador para outro. Não havia sido programado para pensar. Apenas se deslocava rumo ao cumprimento de sua missão.

O caminho era longo, mas ele se deslocava em uma velocidade absurda. Em questão de poucos minutos, suas cópias haviam se propagado para computadores em todo o planeta. Por isso, não precisou de muitos segundos para deixar um servidor na Flórida e entrar em um computador no Brasil.

E ali estava ele, em um dispositivo qualquer. Seu objetivo era simplesmente transformar arquivos executáveis .EXE em imagens .PNG. Um trabalho simples e rápido. Com os executáveis renomeados, o sistema travaria. Após a reinicialização, seria impossível carregar o sistema operacional.

Com o computador enviado para a manutenção, não haveria alternativa: o computador seria formatado – em outras palavras, o vírus seria extinto, dando adeus à sua intensa e breve vida byteana.

Mas, afinal, o que ele poderia fazer? O vírus não tinha escolhas. Não fora programado para desenvolver estratégias de sobrevivência. Não poderia assinar um acordo de paz com o dispositivo infectado. Precisava cumprir sua missão, ainda que suicida.

Portanto, partiu para sua sina. Seu primeiro alvo eram os arquivos de execução da webcam. Por isso, quase que acidentalmente, acessou a câmera do computador. Foi quando se deparou com o rosto do usuário. Na verdade, era uma jovem. Dois olhos irradiavam uma intensidade que fervilharam os códigos binários do vírus. A jovem olhava fixamente para a tela do dispositivo. Parecia olhar para ele. Parecia querer transmitir-lhe um sinal. Eventualmente, ela sorria. Um sorriso doce, gentil e suave; ao mesmo tempo, arrebatador e transdérmico.

O vírus observou-a longamente. Não fora programado para ter sentimentos. Mas algo acontecia. Subitamente, suas variáveis adquiriam autoconsciência. As constantes pulsavam um estranho sentimento. Ele ouvia o algoritmo pulsando um tum-tum-tum em seu peito, como se não fosse possível contê-lo.

E foi no exato instante em que o amor rompia operadores, laços e condicionais que ele ouviu um terrível grito. Um ensurdecedor e famigerado grito de guerra, vindo do mais sádico dos seus inimigos, ecoando por todo aquele ambiente:

“As definições de vírus foram atualizadas”

Antes que ele pudesse oferecer a jovem seu coração, antes que pudesse declarar-lhe seu amor nascido em pureza byteana, ele sentiu garras furiosas e impiedosas fincando e rompendo seu corpo.

Os dois olhos reluzentes da linda jovem foi a última visão que o vírus teve, antes que fosse arrastado para a eternidade do limbo da solidão, um abismo frio e escuro chamado Quarentena.


7 Comments

  1. joana

    at

    E se na realidade conseguirmos trocar o Vírus por um rapaz sem sentimentos com casos de uma só noite, e de repente ele descobre, e sente o que todos gostavam de sentir um dia, o “Amor á primeira vista” antes de ser correspondido, antes de conseguir amar, o verdadeiro vírus nos trouxe a Quarentena

  2. Hermes Alvarenga

    at

    este texto merece uma segunda parte. Pode ser o inicio de um romance. muito interessante. gostei. O vírus tem que sair do limbo e buscar a garota que lhe impressionou tanto. tem que achar um jeito de voltar.

  3. Victória

    at

    Muito bom. Parabéns.

    • shirlei Scor

      at

      Amei, muito agradável e criativo.

  4. nelo

    at

    É um texto e tanto, muito criativo

  5. Ézio Ema Manuel

    at

    Adorei o texto Antiamor

  6. Marta

    at

    Simplesmente, adorei! Parabéns.

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