Vive, respira, come, bebe, dorme e vende saúde. O único problema é que está morto!
O caminho entre a casa do Sr. Cotard até a clínica psiquiátrica poderia ser coberto em dez minutos a pé. Pelo menos, quando se está vivo. No entanto, no caso dele, que estava morto havia mais de um mês, e em avançado estado de decomposição, o sr. Cotard precisaria de meia hora para chegar até lá.
Ele havia iniciado o tratamento psiquiátrico pouco antes de sua morte. Tratava do distúrbio bipolar e esquizofrenia. Mas apenas após algumas poucas sessões, o sr. Cotard faleceu. Ele não sabia do quê. Somente que, ao abrir os olhos em uma certa manhã de Maio, descobriu-se um defunto.
A sensação de saber que está morto é, no mínimo, traumatizante. Mas a pior parte ainda estava por vir. Com o passar dos dias, o sr. Cotard percebia seus órgãos apodrecendo. A constatação era assustadora. Vesícula, bexiga, estômago, intestino – simultaneamente deteriorados em seu corpo. O desespero tomou conta do homem que chorava e gritava, desesperadamente.
– Estou apodrecendo… Me ajudem! Estou apodrecendo – berrava, às lágrimas.
A família disse que ele estava enlouquecendo. Que não estava morto, coisa nenhuma. A esposa, os filhos e os sogros ameaçaram interná-lo em um hospital psiquiátrico se não voltasse para a terapia. Só faltava essa. Um defunto precisando de tratamento psiquiátrico!?
Por isso, após mais de um mês de ausência das sessões e intensa pressão, ele decidiu voltar. Com o diagnóstico do psiquiatra, ele poderia esfregar na cara da família que estava realmente morto. Muito embora, ao longo do caminho, ele tenha se perguntado se não seria melhor ter ido ao IML.
Assim que chegou à clínica e confirmou seu horário, percebeu um homem atarracado encarando-o. Os olhos do homem fulminavam seu inteiro corpo em decomposição. E se não bastasse isso, começou a chamar o sr. Cotard de Gertrudes, de esposa, e tal.
O sr. Cotard achou que chamar o homem de maluco seria uma constatação redundante. Por isso, tentou apelar para um raciocínio lógico. Se a tal esposa estava viva, como o homem acabara de confirmar, como o sr. Cotard poderia ser Gertrudes? Afinal, ele estava morto havia várias semanas.
O homenzinho pareceu não se abalar com o argumento. Deu uma risadinha sarcástica e arrematou:
– Criatividade nunca foi seu forte, Gertrudes. Mas agora, você está de parabéns! – E voltou para sua revista.
O sr. Cotard, neste momento, pensou: “Não se respeitam mais os mortos como antigamente”. Só porque ele dera o último suspiro, as pessoas se achavam no direito de zombar de sua cara, chamando-o de maluco e dando-lhe abomináveis nomes femininos. Gertrudes? Se ao menos fosse Thais, Beatriz, ou algo assim.
O sr. Cotard achou melhor ignorá-lo. Que o maluco ficasse com sua revista e que visse a esposa onde bem entendesse.
Alguns minutos depois, enquanto percebia seu pâncreas se rompendo, devido o avançado estado de putrefação o sr. Cotard notou a chegada do psiquiatra: o doutor Capgras.
O jovem doutor chegou na sala de recepção com um olhar estranho. Examinou cada um dos rostos, detidamente, parecendo assustado. O sr. Cotard nunca tinha visto o doutor naquele estado.
O doutor disse, olhando para todos:
— O que querem de mim? — Ele começou a ficar transtornado. Parecia suar. Deu alguns passos para trás e berrou: — O que querem de mim?
Neste momento, o homem atarracado se levantou. Encarou o recém-chegado doutor e gritou:
— Gertrudes?
Parte 3 – DR. CAPGRAS
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